FAZER A VIDA AMÁVEL - O TESTE DA CRUZ

A pedra de toque
O sofrimento é o melhor teste da qualidade espiritual de uma pessoa. O modo de sofrer – se for corajoso, sereno, discreto – revela o nível de maturidade do amor a Deus e do amor ao próximo.
A pessoa egoísta, quando sofre, volta-se para si mesma; sente-se vítima, cai na autocompaixão, reclama e absorve – de modo desagradável e exigente – as atenções dos demais; pode tornar a vida insuportável aos que estão junto dela. Tem muita razão o autor da Imitação de Cristo, quando diz: «Logo nós sentimos e calculamos os sofrimentos que os outros nos causam, mas não nos damos conta dos sofrimentos que nós lhes causamos» (cf., Livro II, cap. 5).
Pelo contrário, quando a pessoa que sofre tem uma alma grande, cresce no amor e amadurece nas virtudes. Com seu exemplo edifica os outros e os ajuda-os a enfrentar, com  fé e com paz, as contrariedades.
Entende-se, deste modo, a frase de São Josemaria: «Não esqueças que a Dor é a pedra de toque do Amor» (Caminho, n. 439). Assim como a “pedra de toque” serve para avaliar a pureza do ouro, a dor abraçada com fé revela a pureza do amor.
Uma longa história de amor e dor
A história do Cristianismo oferece uma corrente ininterrupta de milhares de almas – homens, mulheres, crianças –, que, sustentadas pela fé e o amor cristão, souberam abraçar a Cruz, a renúncia, o sacrifício, os tormentos e a morte, com a alma cheia de paz, felizes por da r a vida, unidos à Cruz de Cristo, pela salvação do mundo. São impressionantes os relatos de incontáveis mártires – antigos e atuais – que, com o exemplo, humanamente inexplicável, da sua paz de alma no meio das torturas, converteram muitos dos que os contemplavam e até alguns de seus próprios carrascos[1].
Fazendo isso, os mártires seguiam os passos de Jesus. Cumpriam ao pé da letra o que escrevia São Pedro: Cristo sofreu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais os seus passos… Ele que suportou os nossos pecados no seu corpo, sobre o madeiro da Cruz… (1 Pd 2, 21). E o que São Paulo confidenciava: Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja (Cl 1,24).
São João Paulo II afirmava que, «no final do segundo milênio, a Igreja tornou-se novamente “Igreja dos mártires”. As perseguições contra os crentes –sacerdotes, religiosos e leigos – realizaram uma grande sementeira de mártires em várias partes do mundo. É um testemunho que não se pode esquecer» (Carta Ap. Tertio millennio adveniente, n. 37).
O martírio é um “selo de garantia” da autenticidade do amor cristão. Mas não esqueçamos que há outro “selo” desse amor, por vezes mais difícil: a generosidade com que são aceitas e oferecidas a Deus as contrariedades de cada dia: com saúde ou com doença, com cansaço e sem cansaço, em casa, no serviço, na vida social… «Quantos se deixariam cravar numa cruz perante o olhar atônito de milhares de espectadores, e não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heroico» (Caminho, n. 204).
Pense, sim. Por exemplo: O que pode aproximar mais de Deus seus filhos ainda crianças ou adolescentes? Os sermões do pai e da mãe, azedados pela falta de paciência, eriçados de queixas e reprimendas? Ou o exemplo de um pai e de uma mãe que sofrem e sorriem sem perder a calma, que rezam e esperam no meio de padecimentos por vezes muito pesados, e não descarregam as suas dores nos demais?
Essas dificuldades cotidianas são a cruz de cada dia (Lc 9,23), e devem ser um «sacrifício escondido e silencioso», que faz com que um filho de Deus seja «mártir sem morrer» (Caminho, nn. 185 e 622); e o seja sem ter complexo de mártir, sem fazer “cara de vítima”, sem desfigurar o rosto para inspirar compaixão (Mt 6,16). O amor cristão à Cruz – por amor a Jesus Cristo – torna possível padecer sem se vergar sob o fardo da dor; passar mal e continuar assim mesmo a trabalhar e a fazer o bem a todos; e a dar, enfim, com naturalidade até a última gota. Isto é santidade. Esta é uma das melhores maneiras – se não a melhor – de “tornar a vida amável” aos que nos cercam.
«De onde vos vêm as forças?»
São Pedro dá testemunho de que os pagãos, surpreendidos por essa alegria na dor dos cristãos  perseguidos, ficavam pasmados, sem entender nada; e, por isso, o apóstolo recomendava aos fiéis: Caríssimos,…alegrai-vos por participar dos sofrimentos de Cristo… E estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir (1Pd 4,13 e 3,15).
Também hoje, comenta São Josemaria, muitos se sentem movidos a perguntar aos cristãos coerentes, quando veem que permanecem serenos no meio de muitas dificuldades: «Como se explica a vossa alegria? De onde vos vêm as forças para vencer o egoísmo e o comodismo?» (É Cristo que passa, n. 148).
A resposta está nestas breves palavras da carta que o Papa Francisco enviou ao Prelado do Opus Dei, com motivo da Beatificação do seu predecessor, o Bispo Álvaro del Portillo: «Este é o caminho da santidade que todo cristão deve percorrer: deixar-se amar pelo Senhor, abrir o coração ao seu amor e permitir que seja Ele quem guie a nossa vida» (A carta inteira foi lida aos participantes da Beatificação, em 27/09/2014, logo antes de se iniciar a cerimônia).
Quer dizer que tudo é uma questão de amor. Só o amor gera amor. Só o amor vivificado pela graça de Deus pode abraçar a dor e transformá-la em amor a Deus e ao próximo. Esse é um prodígio especificamente cristão, infinitamente superior ao fanatismo suicida e à insensibilidade estoica perante a dor.
Alguns testemunhos
Os testemunhos dos cristãos que passaram vitoriosos pelo “teste da Cruz” são inúmeros.
Gosto muito de lembrar São Tomás More, chanceler da Inglaterra, o homem de máxima autoridade no país depois do rei, Henrique VIII. Encarcerado na Torre de Londres por longo tempo, e depois decapitado em 1535 por recusar-se a trair a sua consciência e a sua fé católica, quando já previa a sua execução, dizia à filha predileta, Margareth: «Minha filha queridíssima, nunca se perturbe a tua alma por qualquer coisa que possa vir a acontecer comigo neste mundo. Nada pode acontecer senão o que Deus quer. E tenho plena certeza de que, aconteça o que acontecer, por muito mau que pareça, será na verdade o melhor»[2]. Thomas More deu um heroico testemunho de fé e se abandonou totalmente à vontade de Deus. Fazendo isso, levou ao extremo o “amor a Deus sobre todas as coisas” (cf. Mc 12,30 e Jn 14,23).
Gostaria de lembrar também dois exemplos dos nossos tempos, que pude conhecer bem de perto.
O primeiro, é o de São Josemaria Escrivá, com quem tive a graça de conviver em Roma por dois anos. Coincidi, em 1954, com a época em que o diabetes que padecia alcançou o maior pico de gravidade, tanto assim que esteve à beira da morte. Dou testemunho de que presenciei dia a dia exatamente o que descreve seu principal biógrafo: «Trabalhava e mexia-se como se estivesse bem de saúde… Custava-lhe sorrir; mas os seus filhos recordam-no sempre com o sorriso nos lábios». Nós, os estudantes que o víamos quase diariamente,  «nada notávamos – escrevi há tempo –; de nada se queixava nem com a palavra nem com a expressão do rosto e, por isso, nada nos preocupava. Não sabíamos que, na verdade, durante todos aqueles meses felizes vividos junto de um Padre que irradiava dinamismo e felicidade, estivera atravessando uma das piores fases da sua doença»[3].
O segundo exemplo é de uma menina, Montserrat Grases – cujo processo de Beatificação está em curso –, que faleceu em 1959, aos 18 anos, de um câncer na perna. Da sua tocante biografia extraio só este testemunho de uma amiga dela, que a acompanhou em várias das trinta sessões de radioterapia: «Quando íamos a essas sessões, todas as enfermeiras perguntavam-lhe o que tinha; mas ela mudava logo de conversa e acabava perguntando pelas coisas delas. Fez-se muito amiga de uma enfermeira: soube que aquela moça gostava de desenhar, e ficaram falando dos desenhos e dos problemas da outra… Às vezes, quando terminávamos, a enfermeira dizia-me: – “Como é simpática, alegre e carinhosa esta menina! Mas nunca fico sabendo se a perna lhe dói ou não. Você sabe?” E eu lhe respondia: – “Eu também não sei”. Porém, com certeza no momento de lhe fazerem os curativos, sofria uma barbaridade. Sofria pelos outros. Ela sempre sofria pelos outros» (isto é, oferecia a dor a Deus pedindo pelos outros)[4].
São uns poucos exemplos do “teste da Cruz”. Mas ajudam-nos a perceber como é o bom roteiro do amor cristão testado pela dor. Um roteiro que, com a ajuda de Deus, todos nós podemos percorrer cada vez melhor, seguindo os passos de Cristo.
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