A preguiça - Conclusão

A LABORIOSIDADE, IRMÃ DA DILIGÊNCIA 
 
“Trabalhando mais”. As palavras que acabamos de citar fazem pensar num dos 
aspectos mais essenciais da diligência: a virtude da laboriosidade, que é como uma 
irmã gêmea da diligência. 
Chama-se laborioso àquele que ama o trabalho, e por isso se esforça por trabalhar muito e bem. É fácil perceber que a laboriosidade é um dos flancos da diligência mais vulneráveis à preguiça. Porque o preguiçoso foge do trabalho como de um castigo, esquecido de que, já nas suas primeiras páginas, a Bíblia ensina que o trabalho é uma 
grande missão confiada por Deus ao homem – sua “imagem” e seu “colaborador” –, desde o dia da sua criação: Para isso – lemos no Gênesis – Deus colocou o homem no paraíso, para que trabalhasse (Gên 3, 19). As penas e fadigas do trabalho são 
conseqüência do pecado, mas o trabalho não. 
O preguiçoso encara o trabalho como um fardo, do qual procura livrar-se quanto antes e de mil modos possíveis. Com essa mentalidade,  é inevitável que o trabalho esteja crivado de inconstâncias e imperfeições, e que os  dias se encham de tristes 
horas suportadas ou perdidas. 
Não é laborioso quem trabalha frivolamente; quem cumpre as tarefas levianamente, 
sem atenção nem esmero; quem interrompe o trabalho com qualquer desculpa, pontilhando os horários de serviço de contínuos parênteses de vazio (beber um gole de água, esticar um telefonema, hora do cafezinho); quem começa muitas coisas e nunca termina nenhuma, incapaz que é de colocar a “última pedra” em nenhum dos 
seus empreendimentos; quem deixa a imaginação divagar e, nas asas da fantasia, sonha com grandes realizações ideais ao passo que “desgraça” as ocupações reais. 
“Trabalhemos muito e bem”16: eis o lema  da laboriosidade, que se completa com 
outro princípio de ação: “Faz o que deves e está no que fazes”. 
O que entendemos por “muito trabalho”, por “trabalhar muito”...? Sobre o “peso” do trabalho, a preguiça não se cansa de nos enganar,  suscitando queixumes e auto-compaixão: “Trabalho muito, trabalho demais, como é dura a vida”. Talvez fosse bom levarmos a sério o ditado brincalhão, que alguma vez teremos lido na traseira de um 
caminhão: “A vida é dura para quem é mole”. Reconheçamos honestamente que, com ordem e empenho, todos podemos fazer mais, muito mais do que fazemos. 
O laborioso aprende a “espremer” o seu tempo, com garbo e com garra. É questão de querer. “Que esperas, pois,  para aproveitar conscienciosamente todos os instantes? 
(...). Aconselho-te que consideres se esses minutos que te sobram ao longo do dia – 
bem somados, perfazem horas! – não  obedecem à tua desordem ou à tua poltronice”. Faz o que deves e está no que fazes. Mediante a virtude da ordem, fazemos o que devemos. A laboriosidade nos leva também a “estar” no que fazemos. 
“Estar” nas tarefas significa dedicar-lhes  os cinco sentidos, todas as potências: 
inteligência, vontade... Significa vencer  habitualmente a divagação e o espírito rotineiro. Uma coisa é “trabalhar” – realizar algo de acordo com as nossas possibilidades – e outra muito diferente, embora seja infelizmente freqüente, é 
“liquidar” os encargos de qualquer maneira. 
Um excelente exercício, para ajudar-nos a cair na conta da nossa falta de laboriosidade, poderia ser perguntar-nos: esta tarefa, é minha mesmo? Muitas vezes deveríamos responder: não, não é minha, porque é anônima, é uma tarefa superficial 
que qualquer um poderia ter feito. Não traz a minha marca, porque não me entreguei a ela com toda a minha capacidade e iniciativa. Naturalmente, a “nossa marca” não é a da frívola originalidade, mas a marca inconfundível da nossa diligência, do nosso amor. 
 
 O DILIGENTE TEM ALMA DE ARTISTA 
 
“Não é diligente quem se precipita – recordávamos acima –, mas quem trabalha com 
amor, primorosamente”. 
É possível imaginar alguma coisa feita  diligentemente, que esteja mal acabada? 
Qualquer trabalho ou realização, levados a cabo com amor, são obras “acabadas” ou, como se diz familiarmente,  “caprichadas”. A imperfeição grosseira é uma denúncia clamorosa da falta de amor. 
Não é em vão que, na linguagem comum, se utilizam algumas significativas expressões: é uma coisa muito trabalhada – diz-se –, é uma peça lavrada com primor. 
É sugestivo que, de uma coisa realizada  com esmero muito especial, se diga simplesmente que foi “trabalhada”; e que se aplique aos requintes da arte manual o verbo “lavrar”, que deriva da palavra latina “laborare”, trabalhar. 
Por trás dessas expressões, oculta-se como que um sexto sentido, a intuir que a laboriosidade envolve a idéia da perfeição amorosa em tudo o que se faz. 
Com efeito, a diligência – a laboriosidade  – sabe “acabar” as coisas, porque sabe fazê-las por amor – por amor a Deus e aos outros – e com amor. 
Se fizermos uma revisão da tapeçaria  formada pelos nossos  deveres cotidianos, poderemos por acaso dizer que essa tapeçaria está “trabalhada” como uma obra de arte? 
Existem, por exemplo, lares bons, mas muito pouco “trabalhados”, porque a rotina e a indelicadeza foram tomando conta deles –  não houve renovação – como ferrugem implacável. Existem deveres profissionais pouco “trabalhados”, porque foram deslizando para um monótono cumprimento, uma burocrática repetição de serviços. 
Existem práticas religiosas pouco “trabalhadas”, porque não se renovou a fé que as acalentava alimentando-a com uma intensa formação – ou porque cristalizaram em devoções formalistas e práticas mecânicas. Existem paternidades muito pouco “trabalhadas”, porque sobre o amor dos pais depositou-se a poeira do costume, abafando afetos e dedicações. 
Em todos estes casos, o amor e o entusiasmo foram-se congelando entre as mãos da rotina. Cederam passagem a mil pequenos  descuidos, grosserias e imperfeições, aparentemente sem importância, e com isso perderam a força da renovação, isto é, da vida. 
Uma tarefa feita por inércia, sem carinho, não é só uma tarefa inacabada e imperfeita, é um corpo sem alma. Só o amor cria e  renova. “Na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de cada dia, tens que  descobrir o segredo – para 
tantos escondido – da grandeza e da novidade: o Amor”. 
A dupla força motriz da alma do cristão – o amor a Deus e o amor ao próximo – é poderosa para “renovar a face da terra” e conseguir o milagre de expulsar a rotina da vida cotidiana. Cada dia pode ser uma estreia, cada esforço um gesto inédito. “Toda hora o barro se refaz – diz Guimarães Rosa –, Deus ensina”. 
Sim, Deus ensina que, para Ele, “nenhuma ocupação é em si mesma grande ou pequena. Tudo adquire o valor do Amor com que se realiza”, e por isso é possível – e nisso consiste a aventura cotidiana do cristão – “transformar a prosa desta vida em decassílabos, em poesia heroica”. 
Santo Agostinho dizia, com  uma expressão muito viva,  que dilectio vacare non potest, o amor não pode parar, não pode tomar férias. Pois bem, uma pessoa de fé e de amor tem sempre o coração em movimento, como um coração de artista, alegremente inquieto e criativo. 
Nunca o artista se sente satisfeito com a obra realizada. Sempre sonha em ir além. E este sonho ativa-lhe o engenho e movimenta-lhe o braço. Elabora por dentro, cria, recria, e se entrega ao trabalho com fervor, sem medir cansaços nem fadigas. Seu braço pode extenuar-se, mas  o seu coração canta. Assim deve ser o cumprimento 
diligente dos deveres de um cristão. 
Se porventura percebemos que, no íntimo de nós, está abafada essa alma de artista, se caímos na conta de que a rotina está estreitando o seu cerco, afunilando sonhos, crestando ilusões, cobrindo antigos entusiasmos com a pátina de uma canseira triste, é necessário prestar muita atenção: há um  sinal de alarme avisando-nos de que já caímos, ou estamos à beira de cair numa lastimável preguiça, a preguiça do coração, o tédio da falta de amor. 
Precisaremos, então, abrir bem os olhos  da alma para enxergar que a rotina, a desilusão e o cansaço não são devidos – como tendemos a imaginar – ao acúmulo de tarefas, nem à repetição monótona das mesmas, nem ao desestímulo provocado por 
incompreensões dos que convivem ou trabalham conosco. Pelo contrário, são o efeito de uma doença da alma, que desaprendeu de amar, e por  isso vê tudo cinza e sente tudo insosso. 
Quando acordamos para a única coisa  necessária (Lc 10,  42), voltando-nos decididamente para Deus, haverá uma reviravolta. Tudo, até os menores detalhes do cotidiano, mudará de sentido. Onde antes víamos muros – muralhas de deveres 
apertando como paredes de um cárcere –  passaremos a ver janelas abertas para o infinito. E onde antes a rotina nos fechava num beco, agora se rasgará uma estrada. 
Não se trata de simples imagens. O amor  de Deus – o impulso da graça divina – muda tudo, como o sol transforma as  sombras noturnas em  paisagem colorida. 
Guiado pela fé e o amor, o coração cristão aprende a descobrir, em cada pequeno dever, em cada um dos esforços necessários para a execução das tarefas cotidianas, uma oportunidade – cada dia renovada – de se dar mais, de servir melhor, de alcançar um novo grau de perfeição, de expressar uma generosidade mais  alegre... E isto porque aprendeu a captar, nos pequenos pormenores do dia-a-dia, o convite de Deus. 
Aquele que me segue não andará nas trevas, porque terá a luz da vida (Jo 8, 12). 
Aquelas mesmas realidades cansadas que a preguiça fazia murchar, a diligência cristã vem revigorar com viço inesgotável. Quem ama, ensina São João, é transladado da morte para a vida (1 Jo 3, 14).  Depende de nós. Não é poupando-nos que 
encontraremos vida e felicidade, mas dando-nos mais e mais. Quanto mais generoso for o sacrifício e mais profunda a entrega, mais impetuosamente brotará a alegria, como um sinal da plenitude da vida. 
Afinal, não é esta uma das mais límpidas e preciosas lições que Cristo nos deixou? 
Quem quiser guardar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de Mim, a encontrará (Mt 16, 25).
 
 PONTOS DE REFLEXÃO 
 
Nesta matéria, como em tantas outras que configuram o ideal cristão, o que custa não é tanto aceitar as ideias, mas levá-las à prática. Uns poucos pontos concretos podem ajudar a ver o ângulo por onde começar e... continuar. 
* Compreendo que uma das maiores manifestações da preguiça em mim é a indiferença ou apatia na luta contra os meus defeitos? Concretizo as ocasiões em que devo enfrentar as minhas inclinações erradas: onde, quando, como? 
*  Sou consciente de que, sem um plano  de vida diário, a minha vida será uma coleção inútil de vagos desejos de ser um bom cristão? Nesse plano, estabeleço com prioridade qualitativa um tempo dedicado à  oração, à leitura do Evangelho, a uma visita ao Santíssimo Sacramento, ao exame de consciência? 
* Faço o que devo, hoje e agora? Percebo que, muitas vezes, esse “hoje e agora” 
consiste em enfrentar uma  tarefa desagradável, custosa ou espinhosa, humilde ou mesmo humilhante – mas que terá o sabor alegre e fecundo do dever cumprido e da caridade de Cristo? Vejo que o tempo da graça é agora? 
* O meu dia é agitado ou sereno, o meu trabalho arrastado ou intenso, desleixado ou competente e bem acabado? Procuro espremer o minuto de sessenta segundos? 
* Habituo-me, no meio das minhas ocupações, a buscar o olhar divino, que me dê paz 
e ânimo para cumprir o dever de cada momento, que  torne a minha jornada uma tarefa do coração, e não a escória  do egoísmo, o subproduto do orgulho, a claudicação perante o comodismo? 
* Omito-me na educação religiosa dos  filhos? Omito-me em conversar com os amigos e colegas sobre Deus e a prática  da vida cristã? Omito-me nas obras de misericórdia que estejam ao meu alcance? É a minha vida um conjunto de omissões? 
* Queixo-me do excesso de trabalho? Não percebo que, quando tiver mais ordem, multiplicar-se-á o meu tempo? Lembro-me daquele claro pensamento (cfr. Sulco, n. 238): “Basta-me ter diante de mim um Crucifixo para não me atrever a falar dos meus sofrimentos...”?

http://www.salvaialmas.com.br/?cat=107&id=1431

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"ORAÇÃO DA SANTA CRUZ DE JESUS CRISTO"

ORAÇÃO - Maria Valei-me

Oração contra todo mal – por um dos maiores exorcistas do mundo