AS DIFICULDADES OBJETIVAS
Nem todas as nossas dificuldades são subjetivas, fruto da imaginação egoísta e do coração estreito.
Existem dificuldades objetivas, e não somente existem como são uma permanente presença no caminho da nossa vida, em cada um dos seus passos. E é natural que seja assim.
A existência humana é dinâmica. O progresso é lei da nossa vida, porque não estamos “feitos” de uma vez por todas, mas avançamos passo a passo, ao longo dos nossos dias, rumo à nossa plenitude. Isto exige uma contínua superação, uma vez que avançar não é dar voltas ao redor do mesmo ponto, mas subir, superar-se a si mesmo e crescer. Em qualquer momento da nossa existência, sempre podemos enxergar – tanto do ponto de vista do trabalho e da cultura, como da vida espiritual e moral – mais um degrau a galgar, mais um patamar a alcançar. E é claro que ninguém consegue uma ascensão sem esforço e, em consequência, sem ter de enfrentar resistências e obstáculos.
Montanhas e serras, dificuldades, têm um valor para quem caminha. Poderiam ser barreiras – se faltasse ideal e empenho –, mas podem ser degraus. Lembrando-nos de São Paulo, que afirma que todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus (Rom 8, 28), procuraremos ver – nas próximas meditações – como é que as dificuldades objetivas podem contribuir para o nosso melhoramento.
As dificuldades firmam-nos no bem
As dificuldades firmam-nos no bem, dão têmpera moral.
Na vida do esportista, cada dificuldade é um “desafio”. Não costuma ser assim – infelizmente – na vida moral. Basta às vezes o aparecimento de uma dificuldade um pouco maior para sentirmos a tentação de deter a marcha e olhar para trás; de desistir ou, pelo menos, de estacionar.
Esta tentação nota-se especialmente quando fazemos bons propósitos de mudança. Começamos bem, animados e esperançosos: desta vez, as coisas vão melhorar. Mas lá vem logo, como um balde de água fria, uma dificuldade não esperada, pelo menos não esperada… tão cedo.
Imaginemos um pai de família que um belo dia se propõe sair do seu proverbial mutismo e ultrapassar as habituais respostas monossilábicas e secas. Tenta, mais ou menos desajeitadamente, dizer umas palavras especialmente amáveis à esposa e aos filhos. Não se sabe se pelo insólito do caso, ou porque o diabo meteu o rabo, o fato é que mulher e filhos reagem mal: “Você não se sente bem?”, “Pai, o que é que deu no senhor?” Imediatamente, o pai-caramujo, ferido nas suas melhores intenções, sente o irresistível impulso de se enfiar no mais profundo da sua carapaça e dizer: “Nunca mais!”…
É muito comum os propósitos murcharem por tropeçarmos com obstáculos. Não nos esforçamos por ser mais afáveis porque nem sempre somos bem compreendidos. Não perseveramos na oração diária porque nos distraímos com facilidade e temos a impressão de estar perdendo o tempo. Não mantemos os horários de trabalho e os planos de aproveitamento do tempo porque desanimamos com os imprevistos que os alteram. Não prosseguimos na luta por ser humildes porque não conseguimos evitar que as pontadas do nosso amor-próprio pipoquem a cada passo.
Na realidade, cada dificuldade que surge no caminho dos nossos bons propósitos nos põe à prova. É um teste de sinceridade. Porque a dificuldade, incitando-nos a desistir ou a recuar, obriga-nos a tomar uma posição, a determinar se queremos ou não. Com efeito, cada dificuldade provoca uma certa hesitação, e por isso mesmo nos exige uma decisão. A nossa vontade deverá inclinar-se ou pelo lado do ideal moral – dos valores e das virtudes cristãs – ou pelo lado da facilidade.
Certamente a dificuldade nos abala. Mas também é como se, por assim dizer, nos obrigasse a fixar o olhar num valor moral superior: um valor difícil, mas autêntico. Tendo-o inequivocamente diante dos olhos, não temos outro jeito senão optar e dizer um “sim” ou um “não”, pondo assim à prova se queremos o bem acima de tudo ou se apenas o desejamos de um modo relativo e sem compromisso. Cada dificuldade, portanto, permite uma auto-avaliação da nossa qualidade moral.
Se, no exemplo do pai de família antes mencionado, o protagonista desiste dos seus bons propósitos, estará optando pelo orgulho (não estará disposto a sofrer mais uma pequena humilhação em prol do bem); pelo contrário, se persevera no esforço, optará pelos valores cristãos da humildade e do amor; e, na medida em que prosseguir na luta por melhorar a sua caridade, por abrir um espaço novo ao amor na rispidez do seu caráter, estará firmando em si uma nova e mais alta qualidade moral, crescerá em estatura espiritual e se tornará, no sentido mais profundo e verdadeiro do termo, um homem melhor.
Quando sentimos, portanto, o desânimo que, perante uma dificuldade, nos impele a pensar que “não dá”, devemos convencer-nos de que a verdade se encontra na posição contrária: somente assim é que dá. Isto é, que somente enfrentando e superando uma dificuldade colocada no caminho da virtude é que a mesma virtude se consolida e se torna forte.
Adaptação de um trecho do livro de F. Faus, O valor das dificuldades
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