AS PEDRAS DA TORRENTE DE CEDRON



Ao sair do horto, a tropa que arrasta a Jesus atado vai-se desordenada, tumultuosa,
apressada. Eles ainda não estão inteiramente tranqüilos sobre aquela captura; vão o mais
apressadamente possível, pelo mais curto caminho.
É uma vereda, talhada no rochedo, que corta a torrente do Cedron abaixo da estrada e da
ponte. Os pés dos que vão derramar sangue, diz o Espírito Santo, são sempre apressados (Sl
13, 3): quando uma paixão nos senhorea, arrasta-nos. Mostra essa pressa que o homem
perdeu o domínio de si mesmo... é escravo. Marcha! clama a paixão... e fustiga-o a
golpes redobrados de maus desejos.
Jesus é, pois, levado; é encontrado, sacudido, empuxado para a direita e para a esquerda
pelas cordas: tem todo um luxo de laços em volta do pescoço, em torno do busto.
Em descendo a vereda talhada em escada, cambaleia e cai no rochedo – segundo uma
antiga tradição. Há desordem, gritos e confusão. Os que estão na frente, e que a carreira projeta, recuam;
os que estão atrás caem quase sobre o corpo de Jesus.
Bateu Ele com os joelhos e com a cabeça no rochedo, e o rochedo não amoleceu.
No dia da Sua Ascensão Ele fará ceder, sob a última pressão do pé glorificado, a rocha
insensível, e a gente beijará [na Terra Santa] com amor essa derradeira pegada humana
do Salvador. No dia da Paixão, a natureza permanece o que é: dura, cruel para o pecador universal;
no mínimo é indiferente. É mister saber sofrer neste mundo dessa indiferença das
coisas. Que deferências merecemos nós? Que exceção em nosso favor? O frio, o calor, o vento,
a chuva, tudo isto tem que me importunar a seu tempo: porque me queixar?
Há nas nossas impaciências a respeito dos sofrimentos que nos vêm das coisas uma
espécie de orgulho secreto: queremos o privilégio, a exceção para nós; afigura-se-nos
estranho que alguma coisa nos moleste sem a nossa permissão, sem o nosso justo
consentimento. Deus não fez milagre em favor de Seu Filho que entra na Paixão. Ele cai, bate de
encontro no rochedo, fere-se. Levantam-no, porque o não pode fazer por si mesmo. E
Ele aceita o auxílio, como aceitou o golpe.
Tudo isto entra no plano superior do Pai: não Lhe quer Ele tocar, receiaria estragar um
dos instrumentos do suplício, pois tudo é instrumento entre as mãos do Deus irritado.
O medo, o tédio, o pavor que o fizeram suar sangue.
A gruta silenciosa, indiferente também ela àquele sangue que corre
A pedra da torrente, e em breve os escarros da criadagem que bebe e que blasfemam, como depois as correias dos flagelos e os pregos da Cruz.
Ó Justiça de Deus...

Retirado do livro: A SUBIDA DO CALVÁRIO Padre Luis Perroy S. J. Editora Vozes 1957

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