Miséria e Graça na vida religiosa: A hipersensibilidade

Por Frei Edson Matias, OFMCap.

A sensibilidade é algo que deve ser cultivado em todos nós. Sensibilidade é diferente de melindres. Também não é sentimentalismo ou muito menos seu oposto, a dureza. Quando falamos de sensibilidade por muitas vezes estamos querendo proteger o nosso euzinho ou do outro, com a intenção desse também nos deixar quietos. Em um mundo onde se constroem castelos artificiais nas relações é como ‘o homem imprudente que construiu sua casa sobre a areia’. Toda a estrutura cai e revela o caranguejo que estava por debaixo.

A imagem do caranguejo é uma ilustração das ‘terras movediças’ da hipersensibilidade nas relações. Nesse território não existe amizade nem possibilidade de construção de fraternidade. O Evangelho? Bem... Nem aí pode entrar, pois as relações são dominadas por uma legião de ‘demônios surdos’. Sim! Esses mesmos. Frutos de um interior povoado de sombras não reconhecidas, cada vez mais vai se dividindo até formar uma ‘legião’. Daí é complicado diferenciar que parte somos nós mesmos, o outro e Deus.

A hipersensibilidade revela corações feridos, solitários, zangados, carentes. Isso vai, como a água suja que quieta vai assentando o barro no fundo, solidificando. Torna a aparência límpida, mas se a água é mexida, tudo se turva novamente.

Esse assentamento se dá aos poucos. Pelas próprias feridas familiares, depois pelas relações não resolvidas, mal vividas e depois interpretadas com os óculos da dor. Quando não trabalhado na VR isso tende a piorar com o tempo. A carência, as necessidades físicas e psíquicas não satisfeitas vão inundando os desejos e aí tudo se turva e o caranguejo vai para fora.

Por vezes, existe a tentativa boa, mas não eficaz, de criar uma comunidade perfeita. Usam-se até textos do fundador, das Sagradas Escrituras para confirmar a hermenêutica da dor, das feridas. É uma luta. O tempo passa e as relações não melhoram. Parece que pioram. Alguns não resistem e desistem. Precisam de novos ares, respirar, limpar as lágrimas dos olhos que marejaram da dor sofrida e se tem outra possibilidade de começar. Para uns é bom, para outros, frustrante.  

Mudam-se os Irmãos, muda o governo... E lá esta o problema. Mas o que acontece? Por que não se vê saída? Tudo parece turvo. E lá está mais uma fez o caranguejo. Tenta-se mais uma vez criar uma fraternidade perfeita. Nova frustração. E as coisas vão caminhando.

Isso pode ocorrer com qualquer um na VR. Aquele dia que se acordou de mal humor, ou em que se sente carente e, de repente, lá se foi aquilo que ‘não se queria falar’ e tudo está perdido novamente. Trincou o teto de vidro do outro. Mais um pouco, vai quebrar. Ufa!!! Ainda está lá. Porém, a relação não é a mesma coisa.

Tal situação pode ser um momento importante para refazer as relações como também de estabelecer distanciamentos. Sendo a mensagem do carisma ou do Evangelho mal interpretado, vão se tentar criar outras casas na areia. Vai ser outro tombo. Para uns parece ser uma constante. Dizem consigo: “Essa é a proposta de nosso carisma, do Evangelho. Realmente é difícil para todos entenderem”. Será mesmo? Ou será nossa necessidade que as coisas caminhem de acordo com nossa hipersensibilidade? É difícil saber. Somente pelos frutos reconhecemos.  Caso tenhamos uma busca estressante, ansiosa, que nos perturba, querendo mudar o comportamento dos outros Irmãos. Isso pode ser um sinal que não estejamos trilhando bons caminhos. Uma boa conversa com alguém experiente, que seja neutra à situação, pode nos ajudar a sair do atoleiro.

O desejo de ter uma vida fraterna mais calorosa e verdadeira é importante ser cultivado. No entanto, isso requer maturidade. Precisamos saber de que lugar desejamos isso. Que motivações, além das necessidades pessoais, queremos mudar as relações na Vida Religiosa. Quantos de nós já não nos deparamos com uma religiosa ou religioso que tenta mudar a todos?! Que cada um possa ser mais afetivo, compreensivo, etc. Todavia, o que move tal pessoa pode ser a busca de satisfazer suas necessidades nos Irmãos. Ou seja, todos devem mudar para satisfazer o eu! Parece um absurdo, mas existem muitos consagrados assim. Perdidos em si mesmos. Lembro daquela série da década de 90, uma família de dinossauros que tinha um filhote que gritava o tempo todo: “tem que me amar!” Um verdadeiro tirado, apesar de engraçado.

E quando a hipersensibilidade se junta a um cargo? Acho que já tratamos desse assunto em outro ponto. Quando falamos da diferença entre liderança e cargo. O estrago é grande. Pois a mãe da hipersensibilidade é a insegurança. Criticar a administração de um hipersensível é iniciar uma briga. Caso seja um religioso que tenha a tendência de "ganhar no grito", as pupilas vão dilatar, os vasos sanguíneos menores vão contrair, retirando o sangue da superfície da pele, deixando a pele um pouco mais pálida. Nessa hora é melhor correr. Caso se trate de um mais contido vai se torturar sozinho ou procurar se vingar. Isso vai variar muito de como a pessoa construiu suas relações.

Hipersensibilidade e cargo juntos é igual a poder.

HIPERSENSIBILIDADE + CARGO/FUNÇÃO = PODER

Poder aqui é o contrário de serviço, de ministério. Nesse caso, a pessoa vai querer ser servida pelos que estão sob a sua ‘tutela’. O modelo de Jesus aqui pode existir no discurso, mas não na prática. Tal situação é mais comum do que se possa imaginar na Vida Religiosa.

Como a hipersensibilidade tem como mãe a insegurança os cargos dispostos nas instituições da congregação tendem a atrair tais pessoas como a luz atrai mariposas. Por isso que muitos que estão nas coordenações de Congregações exercem poder e não ministério!

INSEGURANÇA + HIPERSENSIBILIDADE = CARGO

Mas, por favor... Não são todos. No universo tão grande de Instituições seria um absurdo dizer que tais problemáticas existem em todas de forma generalizada. Mas também seria uma ingenuidade achar que somente algumas apresentam esse tipo de liderança. Além do mais, não tem como a gente generalizar. Cada Família tem sua história, seus erros e acertos. Logo, uso aqui uma forma mais pedagógica de apresentar situações, exacerbando uma ou outra para que possamos entender.

Mas por que isso ocorre na Vida Religiosa Consagrada? Aonde esta o Evangelho? Que momento caminho pode ficar tortuoso? Vamos conversando...

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