PACIÊNCIA: AS DEMORAS DE DEUS


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No mundo em que vivemos, bêbado de acelerações, ultrassônico nas mudanças e doente de impaciências, a bela arte do amor paciente é muito necessária. A virtude da paciência é uma terapia de que o mundo atual precisa muito.

Mas o fato é que a impaciência faz a festa nesse ambiente em que o egoísmo pensa que “para mim tudo tem que ser antes e ao meu gosto” e o comodismo exige “tudo rápido, para já e com o menor trabalho possível”. É natural que, nesse ambiente, a impaciência se manifeste a toda hora em forma de cansaço insofrido, unido à irritação e à  revolta. Não é estranho que, nesse clima tenso, as impaciências acabem cedo ou tarde por arremessar-se contra Deus.
Tal é o caso, não infrequente, dos que chegam a duvidar da bondade de Deus e sentem que se lhes abala a fé quando julgam que “Deus não os escuta”, pois – segundo pensam – não atende aos seus pedidos como “deveria” nem os livra das suas aflições.
Falam então do “silêncio de Deus”, insinuando – ou afirmando claramente – que Deus não se interessa pelas suas criaturas, mas permanece na olímpica solidão dos céus, alheio às tribulações e anseios dos homens.
Um bom número de casos de agnosticismo, ou de ateísmo inconsistente (será que existe algum ateísmo consistente?), ou de ceticismo mais ou menos cínico, tomaram pé em alguma decepção. Esperava-se algo de Deus, e não aconteceu. Por essa razão, Fulano deixou de ir à Missa depois da morte do filho, pelo qual tanto tinha rezado; Sicrano perdeu a fé após a quinta tentativa frustrada de entrar na faculdade; e Beltrana bandeou-se para o esoterismo ao perder o último namorado.
Os “silêncios” e as “demoras” de Deus põem à prova a nossa paciência. Mas são precisamente essas dificuldades desconcertantes as que nos fazem compreender que uma boa paciência jamais poderá ser erguida sobre uma fé ruim. A fé que age pelo amor (Gl 5,6), de que fala São Paulo, é o fundamento necessário da paciência.
Uma das primeiras verdades – inesgotável e luminosa verdade! –, que Cristo nos revelou foi a da paternidade de Deus: O vosso Pai vê, o vosso Pai sabe, o vosso Pai cuida (cf. Mt 6, 25 e segs.). Não se vendem dois passarinhos por uma moedinha? No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade do vosso Pai. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois! Valeis mais do que muitos pássaros (Mt 10, 20-31).
Deus é um Pai que sempre nos acompanha. E esse Pai está amorosamente ativo; talvez mais do que nunca, quando parece que se cala e não intervém. «Quando nada acontece – diz, com grande intuição, Guimarães Rosa –, há um milagre que não estamos vendo» (Primeiras Estórias, Rio de Janeiro, 1962, pág. 71).
O milagre que não estamos vendo
Quem vive realmente de fé caminha sereno e confiante na “mão” de Deus que, como já dizíamos, muitas vezes não coincide com a nossa. Ele, que é Bom Pastor de cada um de nós, sabe muito bem por onde nos leva e nos traz. Ainda que atravesse as sombras da morte, nada temerei, porque Tu estás comigo (Sl 23, 4). Ele nos dá − ou não nos dá, ou permite que nos aconteça −, aquilo que, embora não o entendamos, mais nos convém, sempre com vistas à nossa verdadeira realização, que é a que floresce e se completa na vida eterna: Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma (Mt 10, 28). Não temas, meu pequeno rebanho, porque foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino (Lc 12, 32).
Quem vive de fé, entende muito bem, por isso, o belo conselho do Eclesiástico: Sofre as demoras de Deus. Dedica-te a Deus, espera com paciência […]. Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência. Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus pelo cadinho da tribulação (Ecli 2, 3-5).
O “milagre que não estamos vendo” consiste no que São Paulo enxergava com fé lúcida e expressava com esplêndida convicção: Nós sabemos que Deus faz concorrer todas as coisas para o bem daqueles que o amam (Rom 8, 28). Se tivermos amor a Deus, tudo, absolutamente tudo – o que chamamos sorte e o que chamamos infortúnio, o que é um sucesso no mundo e o que é um fracasso, a satisfação e o sofrimento, a saúde e a doença, a vida e a morte –, tudo acabará sendo conduzido por Deus, com a sua soberana e misteriosa “alquimia”, para algo que resultará num bem para todos os que nele confiam.
Mons. Escrivá costumava dizer que a nossa vida é uma preciosa tapeçaria, que Deus vai urdindo conosco – com a nossa liberdade – aos poucos, fio a fio. Habitualmente, nós só a vemos pelo avesso, enquanto é tecida na oficina dos dias. Por isso, tudo nos parece com frequência uma confusão de fiapos soltos e de figuras bizarras. Vez por outra, porém, Deus deixa-nos olhar por uns instantes a tapeçaria pela frente, e então ficamos pasmados ao dar-nos conta da sua harmonia e do seu esplendor.
A vida, quando já foi um pouco longa e procurou não se afastar de Deus, oferece-nos de quando em quando alguns desses lampejos de lucidez: entendemos que foi muito bom o que antes repudiávamos como muito mau, e captamos o porquê de certas coisas que, na altura, nos pareciam absurdas, monstruosas e sem sentido.
Alguns santos tiveram o privilégio de contemplar, felizes, a tapeçaria de uma vida inteira na sua harmonia total. Tal foi o caso de Santa Teresa de Ávila que, após concluir a sua autobiografia, escrita por obediência aos superiores, remeteu o manuscrito a Frei Garcia de Toledo, com uma carta na qual, a todas as tribulações, fadigas, dores, incompreensões e perseguições relatadas, chamava belamente “as grandes misericórdias com que Deus me cumulou” (Livro da Vida, 3ª. ed., Vozes, Petrópolis, 1961, pág. 360).
Também São Josemaría Escrivá, três meses antes de deixar esta terra, ponderava na sua oração as vicissitudes – muitas delas duríssimas – da sua longa vida, e dizia: “Um olhar para trás… Um panorama imenso: tantas dores, tantas alegrias. E agora tudo alegrias, tudo alegrias… Porque temos a experiência de que a dor é o martelar do Artista, que quer fazer, dessa massa informe que nós somos, um crucifixo, um Cristo… Senhor, obrigado por tudo, muito obrigado!” (S. Bernal, Perfil do Fundador do Opus Dei, pág. 416).
É bem verdade que – como dizíamos − um clarão de Deus pode nos mostrar alguma vez a tapeçaria inteira. Mas o normal é que, na penumbra desta terra, Deus nos peça fé, fé e amor confiante. Ele não deixará de nos dar a graça necessária para aceitarmos com paciência as suas “demoras”, os seus aparentes “silêncios”. A nós toca-nos dizer, amorosamente, com o salmista: Mantenho em calma e sossego a minha alma. Tal como a criança no regaço de sua mãe, assim está a minha alma no Senhor. […] Põe a tua esperança no Senhor, agora e para sempre (Sl 131, 2-3).

Adaptação de um trecho do livro de F. Faus, A paciência, 3ª ed., Quadrante 2015

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