"AS MULHERES QUE CHORAM"


Jesus chega penosamente à porta Judiciária. Atualmente é um vão de paredes muito

espessas que expande, nas sombras dessa espessura, a sua ogiva esbelta. Do outro lado,

são as ruas sinuosas e movimentadas dos bazares.

No tempo de Jesus, a porta dava para as valas que margeavam as muralhas e para a

planície rochosa onde se erguia o Calvário. De ordinário o cortejo parava nessa porta; a

multidão apinhava-se formigante e curiosa, e lia-se uma última vez a sentença ao

condenado. Quando Jesus desembocou na plena luz da planície, tendo à esquerda, não

longe, o sinistro perfil do Calvário, ergueu os olhos e viu todas as caras hostis da plebe.

Comprime-se esta, acotovela-se, quer ouvir, sobretudo quer ver o rosto e as impressões

do condenado.

Todos os olhares fixam-se com efeito no Cristo: analiza-se-Lhe a palidez, o terror; há

uma curiosidade malsã da multidão que a si própria se convida para o espetáculo do

último suspiro de um condenado. É o que os Atos dos Apóstolos chamarão, a propósito

de São Pedro,

de expectatio plebis: essa espera cruel de todo o povo ante o qual, como

 

em derradeira cena, se produz, se exibe a Vítima.

“Este – clama em voz alta o arauto – é Jesus de Nazaré, agitador e sedutor do povo, e

que se disse Rei dos Judeus. Seus compatriotas, os sacerdotes e os anciãos, entregaramnO

à justiça para ser crucificado

. Ide, lictores, e preparai a cruz”.

Ela está pronta, esmaga já os ombros do paciente. A multidão esbraveja. Jesus vê tudo e

ouve tudo.

Entretanto o cortejo se põe novamente em marcha e dobra à esquerda. Alguns passos

mais, e é a suprema subida de onde já se não torna a descer. Nesse momento

inopinadamente, Jesus fraqueja: será a comoção nova da sentença, o horror natural da

morte, o peso da Cruz que durante a simples parada da leitura pesou mais

esmagadoramente nos ombros curvados? Cai Ele humilhantemente, e desta vez o

levantar é mais custoso.

Já não há Simão Cirineu! A grande multidão que O cerca sente-se burlada: contava com

uma exibição, e vê só um infeliz que treme e desfalece a cada passo; murmura então.

As mulheres são mais compassivas. No ponto em que a estrada dobra para o Calvário,

agruparam-se elas, grupo comovido e que se lamenta. Jesus percebe o som sincero dos

corações partidos, através das blasfêmias de todo um mundo: pára. Ele que nada disse a

Sua Mãe, nada a Simão, nada a Verônica, tem uma palavras de consolação para aquela

piedosa simpatia: “Não choreis por Mim, diz com voz sumida, chorai antes por vós: dia

virá em que direis: Felizes nós se não houvéramos gerado. Está próximo esse dia,

porque se deste modo se trata a lenha verde, pergunto-vos Eu, que se fará da lenha

seca?” (Luc. 23, 31).

Os soldados deixaram-nO dizer: porque Jesus queria falar, Ele é o Mestre quando

cumpre o que seja.

Assim, quem é para lastimar não é o Messias amesquinhado, desfeito e agonizante,

segundo foi escrito e decidido,

Filius Hominis vadit, o Filho do Homem vai: ai, porém,

daqueles que atraiçoam e abandonam o Cristo a morrer por nós.

Deus orienta assim com uma palavra a piedade dos homens. Deve ela ir não às vítimas,

porém aos algozes; não aos perseguidos, mas aos perseguidores; não aos que sobem o

Calvário, mas aos que os fazem subi-lo. São os grandes miseráveis porque, se Deus

permite que assim se trate a lenha verde, a que tem a seiva da Graça, que produz frutos e

que gera os Seus eleitos, que se vai fazer de vós, opressores dos justos, mortos à Graça,

lenha seca e sem vida? Em verdade, Eu vo-lo digo, vós prestais é para o fogo eterno.

Lenha seca e eternamente árida, haveis de ser o pasto eterno de um fogo lento, vingador

e divino, que arderá enquanto tiver um alimento... Ora, vós sois imortais!

Esta palavra do

Cristo consola todas as opressões deste mundo. Delas está o mundo

cheio, e Deus se cala.

Este silêncio de Deus deveria amedrontar os opressores: virá uma hora em que essa

palha seca fugirá louca diante da cólera divina, e esta cólera lhe há de apanhar a menor

felpa, ainda que se fosse esconder no fim do mundo.

Que é a grandeza do mundo diante do poder de Deus? Esses pecadores ambiciosos que

quiseram encher este mundo, quando viviam, hão de mendigar então – e com que

angústia – um buraco nas montanhas para se esconderem: e não o hão de ter.

Assim, até nos últimos abaixamentos Jesus deixa escapar os clarões longínquos da Sua

Justiça derradeira.

Vereis o Filho do Homem, mais tarde, em todo o esplendor de Sua Majestade, dissera

menos autoridade: “Então eles hão de clamar: Montanhas, cai sobre nós. Porque se

deste modo se trata a lenha verde, que se fará com a lenha seca?...”

O lado do Calvário que olha para Jerusalém é muito abrupto. O cortejo teve pois que

contornar à direita a rocha escarpada, onde a rampa era mais suave.

O esforço que fizera Jesus para falar às filhas de Jerusalém esgotara-Lhe o resto de

forças e, no momento de galgar o outeiro, uma terceira, uma última vez Ele cai de rosto

no chão.

Evidente se fazia que quase já só arrastavam um cadáver. Era de recear que talvez Ele

não tivesse sequer alento bastante para chegar ao cimo, deitar-se na Cruz e sentir os

cravos enfiarem-se-Lhe brutalmente na carne morta. A todo custo, cumpria que fosse

alçado vivo na Cruz.

O texto sagrado deixa-nos adivinhar que os soldados tiveram que amparar, quase que

carregar a Vítima até em cima. Era o último instrumento de suplício, antes da

crucifixão. Vivamente o sentiu Jesus; sentiram-no também os que O cercavam e por isto

ainda mais o devem ter desprezado, pois acham que Ele não é corajoso.

[Voluntariamente] não tem aquela energia, aquele arrojo que concederá mais tarde aos

Seus Mártires.

Vai ao suplício a tremer, e esta aparência ou realidade de delíquio são tanto mais

humilhantes quanto Ele se disse o Messias, o Filho de Deus, aquele que existia “antes

que Abraão fosse...”, o restaurador de Israel, o filho de David!

Que amarga irrisão! Como todas estas coisas devem acudir ao pensamento dos

espectadores! ‘Nós esperávamos, dirão os discípulos de Emaús, nós esperávamos nEle:

sim, ontem, porém hoje! Que fim lastimável! Que mísero epílogo àquela vida estranha,

semeada toda de milagres e prodígios! Se era assim que Ele devia acabar, era oportuno

erigir-se em fundador de uma religião nova? Que crédito conferir a um homem que,

depois de ter avançado tanto, morre frouxamente e sem brilho?’

Este caráter da Paixão é inteiramente divino e reservado. Só o comunica Jesus a mui

raros e mui fiéis amigos, aos que já não sabem o que seja a glória deles, mas só vêem a

de Deus.

A humilhação do sofrimento, a fraqueza, o abatimento dos últimos instantes, não ser e

não parecer vigoroso no suplício a fim de que os homens, tão desejosos de honras, nos

desprezem um pouco mais ainda! Em verdade, em verdade, que aquele só a quem tal

seja dado o compreenda se puder, e o ame ardentemente.

 

Qui potest capere, capiat

.

 

Se o cálice me for posto aos lábios, ó Jesus, e os lábios me tremerem; se essa Cruz me

for posta nos braços e os meus braços penderem; se essa amargura me for vertida no

coração e o coração a deixar vasar como dum vaso partido e sem preço, eu bendirei, no

segredo desse coração desprezado de todos, a adorável bondade que terá me feito unirme

Ele perante o Tribunal. No momento de galgar o Calvário, diz com mais tristeza e não 

ainda mais a Vós na ríspida subida do Calvário. Assim seja.


 

Padre Luís Perroy. S. J.
Editora Vozes
1957
IMPRIMATUR
Por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra,
Bispo de Petrópolis, Frei Desidério Kalver-Kamp, O.F.M Petrópolis, 19-11-1957.

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