"DEUS FALA DE MARIA"


É um fato que o Evangelho fala relativamente pouco da Mãe de Jesus. Os textos mais
extensos circunscrevem-se, principalmente, à concepção, nascimento e infância de Cristo. No
entanto, se o Evangelho fala pouco, ao mesmo tempo
diz muito.
Não acompanharemos aqui passo a passo todos os “evangelhos de Maria”. Debruçar-nosemos
apenas sobre alguns textos evangélicos, guiados pelo desejo de captar o que acima se
mencionava: que nos diz Deus de Maria? O que é que Ele pensa e quer dela? Simultaneamente,
guiar-nos-á o propósito de verificar se a devoção a Maria, tal como a vivem os fiéis católicos, está
em sintonia com a vontade de Deus. Para este fim, parece-nos especialmente esclarecedor, como
ponto de partida, meditar a narração de São Lucas sobre a Visitação de Maria a sua prima Santa
Isabel.
Quando Maria se encaminhou à casa de Isabel, ainda soavam nos seus ouvidos e no seu
coração os ecos da mensagem da Anunciação. No seu seio, o Verbo – a segunda Pessoa da
Santíssima Trindade – já se fizera carne. Ela era mãe e, em seu corpo virginal, trazia Deus feito
homem, formava-lhe um corpo.
Por uma alusão incidental do Anjo Gabriel na Anunciação, Maria tomou conhecimento de
que
também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês daquela
que se dizia estéril
(Lc 1,36).
A sua reação imediata foi pensar que Isabel precisaria de ajuda. E é por isso que vai sem
demora oferecer o seu auxílio à prima idosa, que se preparava para a primeira experiência da
maternidade:
Levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou
em casa de Zacarias e saudou Isabel
(Lc 1, 39-40).
Até aqui, o Evangelho apresenta uma cena de delicada caridade. Mas, a partir desse
momento da narrativa, a cena familiar do encontro das duas mulheres eleva-se a um plano diverso,
ganhando uma significação inesperada. Deus intervém. São Lucas descreve o que se passou com os
acentos do imprevisto: “Aconteceu”, diz. Passou-se algo que não era esperado.
Aconteceu que,
apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seu ventre e Isabel ficou repleta do
Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse
... (Lc 1, 41-42).
Não há a menor dúvida de que o Evangelho mostra neste texto que Deus vai falar por boca
de Isabel. Vai falar como o fizera pelos Profetas, cheios do Espírito Santo; e todos sabemos que a
voz dos Profetas era a voz de Deus:
Deus falou outrora muitas vezes e de muitos modos aos nossos
pais pelos Profetas
– assim começa a Epístola aos Hebreus (1, 1). Agora dispõe-se a falar de novo.
Pensando bem, o que é que seria lógico esperar dos lábios de Isabel, quando o Espírito
Santo a invade – a ela e ao filho que traz nas entranhas –, inundando-a da alegria de receber em sua
casa o Salvador de que Maria é portadora, o Messias esperado por séculos e séculos a fio, o próprio
Deus habitando entre os homens?
Em princípio, seria razoável esperar que, perante um fato de tal transcendência, Isabel –
movida pelo Espírito Santo – entoasse um cântico de adoração e de agradecimento ao Deus, Senhor
de céus e terra, que se dignava chegar a sua casa. Diante da presença do Deus vivo, tudo se
obscurece, todas as criaturas passam a um segundo plano, como sombras que, quando muito,
refletem tenuemente os raios do Sol divino.
Certamente Isabel louva o seu Senhor e exulta nEle em alegre agradecimento. Mas a
verdade é que
todas as palavras que pronuncia são – do começo ao fim – um louvor e uma
glorificação de Maria. É Deus quem fala por ela – precisamos repisá-lo –, e em conseqüência essas
palavras inspiradas expressam o que Deus nosso Senhor “pensa” e “quer dizer” daquela que
escolheu como Mãe.
Prestemos atenção ao texto do Evangelho: ...
Isabel ficou repleta do Espírito Santo.
Exclamou ela em alta voz e disse: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.
Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Porque logo que a voz da tua
saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a
que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas
(Lc 1,
41-45). Cada palavra, cada frase, tem um peso.
Se acompanharmos o ritmo das expressões de Isabel, na sua seqüência linear, perceberemos
logo que começam com um louvor a Maria, que identifica a Virgem com a mulher abençoada por
Deus de uma forma única entre todas as mulheres; e que se segue um louvor a Cristo, mas a Cristo
contemplado através de Maria, precisamente como filho dela: “bendito o fruto do teu ventre”. Esta
é a primeira palavra que Deus profere sobre Nossa Senhora por intermédio de Isabel.
Lê-se a seguir uma segunda frase, cujo significado é este: a proximidade de Maria, a
presença e a conversa com a Virgem, é um bem, é uma bênção para a alma a quem Ela se chega.
“Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo?” Isabel sente-se beneficiada por
um dom imerecido. Não se limita a agradecer à sua parenta a atenção que está tendo com ela; se se
sente honrada, para além de todo o merecimento, é porque recebeu a visita da “Mãe do meu
Senhor”. É isto justamente o que a comove: que, diante dos seus olhos, está a Mãe de Deus, e a
Mãe de Deus é portadora das bênçãos do céu.
Esta referência emocionada de Isabel ao dom, ao benefício recebido pela visita da Mãe do
seu Senhor, torna-se ainda mais explícita e clara nas palavras que profere a seguir, com a fluência
de um cântico: “Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou
de alegria no meu ventre”.
Só entenderemos cabalmente esta frase se não esquecermos que, pouco antes, São Lucas já
se referira a um duplo efeito – um duplo dom – produzido pelas palavras de “saudação” proferidas
por Maria: por um lado, a alegria sobrenatural de João Batista, que saltou no seio de sua mãe; por
outro, a efusão do Espírito Santo na alma de Isabel. É da maior importância perceber que esse
duplo dom, conforme diz o Evangelho, tenha sido concedido por Deus em virtude da presença de
Maria.
O texto, com efeito, expressa uma autêntica relação de
causalidade entre a chegada de
Maria, a voz de Maria, e os dons divinos derramados na alma de Isabel e do seu filho. Tudo
aconteceu “apenas Isabel ouviu a voz de Maria”, “logo que a tua saudação chegou aos meus
ouvidos”, e aconteceu “por isso”. Aqui não se está falando de sentimentos ou de reações
emocionais subjetivas – do estado psicológico provocado humanamente pela visita de Maria –, mas
de uma iniciativa divina, de uma ação direta de Deus sobre Isabel – “ficou repleta do Espírito
Santo” –, que o Evangelho vincula a Maria como causa instrumental. Deus agiu por intermédio
dEla.
Também encerram uma grande riqueza as últimas palavras pronunciadas por Isabel. Tratase
de um novo louvor: “Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da
parte do Senhor lhe foram ditas”. Se esta frase não se encontrasse no Evangelho, provavelmente
acharíamos excessivo o que ela diz. Surpreendentemente, Isabel – Deus por ela – afirma sem
ambigüidades que “as coisas que da parte do Senhor foram ditas a Maria” se cumprirão
porque Ela
acreditou.
Ora, o que é que são essas coisas ditas da parte do Senhor, senão as que pouco antes o Anjo
Gabriel anunciara à Virgem?
Darás à luz um filho..., será grande, será chamado Filho do
Altíssimo..., reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e o seu Reino não terá fim
(Lc 1, 31-32).
Sem dúvida, as “coisas que foram ditas” são, nem mais nem menos, o plano divino da Redenção da
humanidade através da Encarnação, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
Então, também é fora de dúvida que Isabel afirma que este plano se há de cumprir
porque
Maria acreditou, isto é, porque abraçou com fé e confiança plenas o convite de Deus para ser a Mãe
do Redentor. Isto significa que Deus, em seus desígnios imperscrutáveis,
quis fazer depender a
Redenção da humanidade, de algum modo, da colaboração de Maria
. Por outras palavras, Deus
quis
contar com a Virgem Santíssima, não como simples instrumento passivo, mas como parte
ativa e colaboradora livre da obra da Redenção.
Estas considerações simples abrem-nos desde já como que uma janela, através da qual
podemos contemplar o mistério de Maria a partir da perspectiva de Deus, e, simultaneamente,
permitem-nos avaliar – segundo a mesma perspectiva – o sentido da devoção que o povo cristão
dedica a Maria Santíssima. Na verdade, esses “pensamentos” de Deus são verdadeiros focos de luz,
que iluminam por dentro os mistérios da vida e da vocação de Nossa Senhora.

Pe. FRANCISCO FAUS
MARIA, A MÃE DE JESUS

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"ORAÇÃO DA SANTA CRUZ DE JESUS CRISTO"

ORAÇÃO - Maria Valei-me

Oração contra todo mal – por um dos maiores exorcistas do mundo