"OS ESCARROS E AS PANCADAS"


Não há expressão mais viva do asco do que o escarro a face de um homem.
Vai isto mais longe do que a bofetada, parece que se apanha tudo quanto se tem no fundo de si de cólera, de reprovação, de sumo desprezo para lança-lo com a própria saliva ao rosto do inimigo.
Mal foi Jesus em casa de Caifás reconhecido réu de blasfêmia, que toda barreira se rompeu em torno dEle.
O Sumo Sacerdote deixando bruscamente o estrado, rasgou violentamente a veste.
Todos os outros juízes sentados em semí-circulo à volta dEle, pularam dos seus assentos. Os dois secretários, ocupados nas duas extremidades em recolher os depoimentos pró e contra o acusado, jogaram fora as suas tabuinhas.
Uma palavra estrondeou como um clamor, podê-se ouvi-lá do átrio: "blasfemou, é digno de morte".
É um sinal. Alguns dos que estão na sala, juízes sem dúvida aproximam-se-Lhe logo e Lhe cospem o rosto.
Vendo isto, os criados, os oficiais subalternos já não se contêm: cada qual quer fazer melhor.
De ordinário, havia na própria sala do julgamento criados e soldados armados de látegos e de cordas para baterem o acusado ao primeiro sinal. É esta turba que se desenfreia. Breve já não basta os escarros: esbofeteiam-No; a bofetada é ainda nobre demais, dão-Lhe socos.
Podiam ser três ou quatro horas da madrugada: empurram Jesus, sempre atado, para algum canto; É ele recebido por aquela criadagem, passa como um objeto desprezível e desprezado, batido pela frente, batido por detrás, batido ao passar.
Entrementes, os sinedritas se retiraram, com os cumprimentos de praxe; ornar-se-ão a encontrar nos alvores dia dia para um novo conselho.
Jesus, nesse ínterim é entregue sozinho aos soldados. Sabe-se o que seja uma soldadesca grosseira, de palavreado e gestos asquerosos, a divertir-se brutalmente, bebendo em excesso e tendo duas horas a passar em face de um condenado de marca, decaído juridicamente de grandeza.
Só a meditação do coração,os olhos do amor podem penetrar esses horrores.
Sabemos nós, com efeito, até onde tenham podido ir ultrajes contra o meigo Salvador?
Há uma emulação de ódios contra Ele. Examinemos, interroguemos, experimentemo-lo pelos tratos e pelos ultrajes;disse-se Filho de Deus: vamos a ver se suas palavras são verdadeiras. (Sb 2, 17-18)
Ademais, Ele está sozinho, abandonado, entregue. Os juízes com a aparência sempre temível da legalidade, já não está lá. Passa Ele por um sacrílego e por um blasfemador; é um condenado pela mais alta autoridade moral: os Sacerdotes.
Se eram judeus os soldados, bastava isto a explicar-lhes e a cobrir-lhes todos os ultrajes.
Se se lhe mesclavam os romanos, obsequiosamente prestados para a conjuntura, bastava ser Ele judeu e vencido: Roma não costumava sensibilizar-se inoportunamente.
E depois, é noite, e os guardas, quaisquer, estão cansados de sua tarefa, provavelmente enervados daquela faxina suplementar que lhes foi imposta. Portanto, agitam-se, gritam, riem, batem a torto e a direito, e babam nEle. E bateram só na cabeça? Ou até onde levaram a insolência?
"Batiam-No e diziam muitas coisas contra Ele, blasfemando", nota São Lucas. Sem dúvida escarneceu principalmente o seu título de profeta, a sua magia, o seu poder! É este ponto que se comprazem em repisar, porque vêem esse poder abatido.
Parece porém que o olho dos profetas tenha sido ainda mais dolorosamente impressionado que o do Evangelista. Jó exclama: "Arremessaram-se sobre mim como por uma brecha aberta... prostaram-me com as ondas da violência... Para eles tornei-me  como lama, pó cinza! (Jó 30, 14-19)
Como melhor pintar a opressão e o aniquilamento? Abandonei meu corpo aos que me batiam, dizia Isaías não desviei o rosto... quando escarravam em mim... arrancavam-me a barba, e eu deixava! (Is 50, 6; 13, 5). Busquei ao redor alguém para me socorrer, não havia ninguém!
Ó esta solidão no meio dos inimigos! Sou como o pelicano no meio do deserto... como a coruja numa casa desolada. Vê-lo, estou sozinho". Insiste Ele. (Sl 110,7)
Finalmente foi dito: "Será saturado de opróbrios" . Cumpre, pois que os tenha todos. Aliás, não é gente alcoolizada que Ele está entregue? Os que bebiam escarneciam de mim e me ridicularizavam, compondo cantigas contra mim. E alhures, tornei-me objeto de suas trovas.. e das suas fábulas. (Jó 30, 9)
Advinha facilmente o que pudesse ser essas trovas improvisadas...

Padre Luís Perroy    S.J.
EDITORA VOZES 1957


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