" A CAUSA DO PECADO"
Todos
os corpos formosos, o ouro, a prata, e todos os demais têm, com efeito, seu
aspecto atraente. No contato carnal intervém grandemente a congruência das
partes, e cada um dos sentidos percebe nos corpos certa modalidade própria. Também
a honra temporal e o poder de mandar e dominar tem seu atrativo, de onde nasce
o desejo de vingança.
Todavia,
para obtermos estas coisas, não é necessário abandonarmos a ti, nem nos desviar
de tua lei. Também a vida que aqui vivemos tem seus encantos, por certa beleza que
lhe é própria, e pela harmonia que tem com as demais belezas terrenas. Cara é,
finalmente, a amizade dos homens pela união que une muitas almas com o doce
laço do amor.
Por
todos estes motivos, e outros semelhantes, pecamos quando, por propensão
imoderada para os bens ínfimos, são abandonados os melhores e mais altos, como
tu, Senhor, nosso Deus, tua verdade e tua lei.
É
verdade que também esses bens ínfimos têm seus deleites, porém, não como os de
Deus, criador de todas as coisas, porque nele se deleita o justo, e nele acham
suas delicias os retos de coração.
Portanto,
quando indagamos a causa de um crime, não descansamos até averiguar qual o
apetite dos bens chamados ínfimos, ou que temor de perdê-los foi capaz de
provocá-lo. Sem dúvida são belos e atraentes, embora, comparados com os bens
superiores e beatíficos, sejam abjetos e desprezíveis. Alguém comete um homicídio. Por quê? Porque
desejou a esposa do morto, ou suas terras, ou porque quis roubar alguma coisa,
ou então, ferido, ardeu em desejos de vingança. Por acaso cometeria o crime sem
motivo, apenas pelo gosto de matar? Quem pode acreditar em semelhante coisa?
Mesmo
de Catilina, homem sem entranhas e muito cruel, de quem se disse que era mau e
cruel sem razão, acrescenta o historiador um motivo: “Para que a ociosidade não
embotasse suas mãos e sentimento”.
Todavia,
se indagares porque agia assim, dir-te-ei que mediante o exercício de crimes,
depois de tomada a cidade, conseguisse honras, poderes e riquezas,
libertando-se do medo das leis e das dificuldades da vida, causados pela
pobreza de seu patrimônio e a consciência de seus crimes. Logo, nem o próprio
Catilina amava seus crimes, mas aquilo por cujo motivo os cometia.
TRECHO DO LIVRO: CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO
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