O medo da morte

Autor: João Batista Libânio


O ser humano naturalmente teme a morte. Ela bate-se contra a vida. Criados para viver, opomo-nos visceralmente à morte. A famosa frase do biólogo Prêmio Nobel J. Monod, “o preço da vida é a morte”, revela a frieza de um pesquisador e nunca a experiência existencial de um vivente. Os psiquiatras aproximam-se dos suicidas como de casos patológicos e nunca como desejo natural de um ser humano em são juízo.
No entanto, Platão nos descreve a serena morte de Sócrates. Ele sofria o próprio corpo como cárcere de que a morte o libertava para contemplar o mundo das idéias puras e perfeitas. Por isso, prepara-se para morrer na maior tranqüilidade de espírito. Aí aparece como a visão da existência, diria, a espiritualidade, consegue domar o medo instintivo da morte em algumas pessoas privilegiadas.
Algo semelhante viver-se-á no mundo cristão em duas situações bem diferentes. Muitos mártires desprezarão a vida e caminharão firmes e resolutos para enfrentar as feras. O exemplo de Santo Inácio de Antioquia impressiona-nos. Em dramática carta aos irmãos de Roma pede insistentemente que não intercedam por ele junto a alguma autoridade romana a fim de livrá-lo da morte. “Maravilhoso é para mim morrer por Jesus Cristo, mais do que reinar até aos confins da terra”. “Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é possível encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras, para encontrar-me como pão puro de Cristo”. Esses desejos revelam tal grandeza que nos deixam pequeninos. A paixão por Cristo o leva a não temer a morte.
Além dos mártires, muitos santos que morreram na normalidade de uma doença também exprimiram coragem semelhante para enfrentar a morte sem medo. O jovem Luiz Gonzaga, atingido em Roma pela peste, vê a morte aproximar-se e escreve linda carta a sua mãe, povoada de sentimentos de paz na espera do encontro com Deus.
Está a surgir, porém, nova e doentia atitude de destemor diante da morte. Refiro-me ao terrorismo e ao mundo do crime. Homens e mulheres-bomba explodem a si mesmos para causar mais mortes em torno de si em atentados, movidos pelo fanatismo religioso. O mártir entregava a Deus sua vida. Esses novos religiosos não o fazem no sentido de dom de si, mas com a intencionalidade de vingar-se, com a própria morte, dos inimigos. Morte para causar mais morte e não para mergulhar no mistério de vida de Deus. Em alguns ainda sobra certo sentimento religioso, embora deturpado, mas pessoalmente vivido como fé na sua religião.
Ameaça-nos outra atitude terrível diante da morte. Sua banalização tem crescido a tal ponto que especialmente pessoas jovens ingressam no mundo do crime, dispostas a matar e a morrer. Isso lhes oferece tal ousadia que os crimes que perpetram chegam a grau enorme de gravidade. O banditismo, os assaltos a mão armada, as gangues e as máfias do crime crescem e se tornam incontroláveis, porque muitos de seus membros perderam o medo de morrer. E quando alguém está disposto a tal, não há limites na fantasia criminosa.
A psicologia facilmente reduz esses casos à patologia. Mas infelizmente parece que tal análise não dá conta da verdadeira realidade. No caso do famoso nazista Eichmann, que coordenou o assassinato em massa de judeus, chegou-se ao veredicto de tratar-se de alguém normal, mas sem nenhum escrúpulo diante de tais crimes. Assim também está a acontecer que muitos entram no caminho do crime como numa aventura, numa roleta-russa de morte. A cultura e o ambiente circundantes, a crise social, estímulos crescentes para o crime terminam por dominar-lhes a mente e o coração. Estamos, portanto, diante de problema muito mais amplo do que de aumentar o policiamento. Cabe-nos trabalho lento e diuturno de transformar a cultura e a situação social atual para que elas não continuem sendo o caldo gerador de novo tipo de enfrentamento da morte sem nenhum medo.

http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/31930/o-medo-da-morte

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