Livrar-se dos próprios fantasmas

Naquele tempo, o tetrarca Herodes ouviu falar de tudo o que Jesus fazia e ficou perplexo. Uns diziam: "É João que ressurgiu dos mortos"; outros: "É Elias que apareceu"; e ainda outros: "É um dos antigos profetas que ressuscitou". Mas Herodes dizia: "Eu degolei a João. Quem é, pois, este, de quem ouço tantas coisas?" E procurava ocasião para vê-lo.



O Evangelho de hoje nos apresenta Herodes Antipas, que, embora procure ver Jesus, é incapaz de professar a fé. Para compreendermos esta passagem, façamos um paralelo com um outro episódio: a da confissão de São Pedro (cf. Lc 9, 18-20). Tanto o tetrarca quanto o chefe dos apóstolos têm as mesmas informações e sabem o que o povo diz a respeito de Cristo. Estão, de certa maneira, na mesma situação; mas a resposta de um e de outro ao Senhor é diversa: Herodes parece não conseguir penetrar o mistério daquele Nazareno de quem tanto ouve falar, ao passo que Pedro, inspirado, confessa que Jesus é o Cristo de Deus. Com efeito, o apóstolo Pedro, desde a sua vocação em Genesaré, mostra-se disposto a encontrar-se com Cristo. "Retirar-te de mim, Senhor", exclamara uns trechos antes, reconhecendo ser "um homem pecador" (Lc 5, 8).

Isto vale também para a nossa vida espiritual. Ao fechamento de Herodes contrapõe-se a disposição interior de Simão para reconhecer a própria indignidade e, portanto, para abrir-se à Palavra de Deus. São João Crisóstomo, ao comentar o Evangelho de hoje numa de suas homilias, diz que é típico do pecador ser atormentado pelos fantasmas dos próprios crimes. Com o coração endurecido, Herodes confessa, sem sombra de arrependimento: "Eu degolei a João", e os cochichos do povo tiram-lhe a paz diante da possibilidade de o espírito de João ter voltado para vingar-se. É este como que ensimesmamento que o impede de ver Nosso Senhor. Somente o reconhecimento de que somos misérias permite que nos encontremos com a misericórdia de Jesus.

Daqui se vê a diferença entre o arrependimento cristão e as neuras de um complexo de culpa, pois a verdadeira contrição é encontrar-se consigo mesmo sob o olhar de um Deus que nos ama, que deseja acercar-Se de nós, apesar de nossas culpas e imperfeições. Herodes não quer ver a realidade sobre si, mas apenas certificar-se de que Jesus não é um vingador e apaziguar, assim, os seus fantasmas interiores. Muitas pessoas acabam vivendo a religião com essa mesmo postura, à busca de rituais e sortilégios que tranquilizem uma "má consciência". Mas o cristianismo não é isso; trata-se, sim, de despojar-nos das máscaras, fantasias e ilusões que criamos a nosso respeito e, caídos "nus" aos pés de Cristo, seguirmos Aquele "que perscruta os corações" (Rm 8, 27).

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