O verdadeiro recolhimento quaresmal

“O verdadeiro recolhimento conhece-se pelos efeitos: paz, silêncio interior, tranquilidade de coração. O espírito recolhido é quieto e desprendido, ao menos em suas profundezas. É impassível, com as paixões momentâneas em repouso. (...) Mas como os frutos do recolhimento vêm da humildade e da caridade, e de outras virtudes cristãs fundamentais, é claro que não pode haver recolhimento genuíno senão quando essas virtudes concorrem para dar-lhe substância e realidade.
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O recolhimento é mais do que entrar dentro de nós mesmos, e nem significa necessariamente a recusa ou a expulsão do mundo exterior.
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Outro resultado do recolhimento é fazer-nos presentes a Deus e a nós mesmos em Deus.(...) E é só na presença de Deus que nos revelamos em toda a verdade. Porque é então que, vendo a Deus em sua luz, vinda na obscuridade da fé, também vemos, à mesma claridade, como somos diferentes do que pensamos ser em nossa ambição e vaidade.

Aqui o recolhimento colore-se de compunção e daquilo que os Padres chama de ‘santo temor’. Temor é o conhecimento de nós mesmos em presença da santidade de Deus. É o conhecimento que temos de nós diante do seu amor, ao ver como estamos longe do que esse amor queria.
(...)
Esse temor é absolutamente necessário para que se preserve o nosso recolhimento de degradar-se numa falsa doçura e presunção, que se supõe segura da graça, e cessa de temer a ilusão, comprazendo-se com o pensamento da sua virtude e alto grau de oração. Tal complacência cai imperceptivelmente, como uma cortina impenetrável, entre nós e Deus, que se vai, deixando conosco uma terrível ilusão.

Quanto mais intenso, forte e prolongado o nosso recolhimento, tanto maior o perigo de cair nessa ilusão. Com o tempo vai-se tornando fácil recolher-nos sem, de fato, entrarmos em contato com Deus. Esse recolhimento não passa de um artifício psicológico. É um ato de introspecção, que se aprende sem esforço. Ele abre para um sombrio, confortável e silencioso quarto interior, onde nada acontece, nada perturba, porque se conseguiu achar a chave que desliga, em sua origem, toda a atividade intelectual. Isto não é oração, e embora possa ser coisa tranquila e benéfica por um pouco de tempo, causará o maior dano, se nos apegamos e o levamos longe demais.

Recolhimento sem fé confina o espírito numa prisão privada de luz e de ar. Um ascetismo interior não deve terminar por fechar-nos em tal cárcere. Só faria, com isto, anular os fins da graça divina. Não é pondo limites à atividade da alma que a fé nos estabelece em recolhimento, mas na remoção de todas as limitações da nossa inteligência e vontade, livrando a mente da dúvida e a vontade da hesitação, de modo que o espírito, livrado por Deus, mergulha nas profundezas da sua invisível liberdade”.
Homem algum é uma ilha, Thomas Merton (Editora Agir), 5ª Ed. 1968, pág. 180, 181 e 185 a 187

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