ALEGRIA E BOM HUMOR


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A alegria cristã

Ha umas palavras muito bonitas no livro de Nehemias, que se leem com frequência na Liturgia das Horas: A alegria do Senhor será a vossa força (Ne 8,10).
─ A tristeza enfraquece, a nós e aos que nos cercam. Faz-nos murchar, enfraquece o ânimo e as forças e desperta o mau humor. Uma pessoa triste cria um ambiente desanimado. Já dizia, no século II, um dos mais antigos escritores cristãos: «Afasta de ti a tristeza. Não entendes que a tristeza é pior do que qualquer outro estado de ânimo, que é a coisa que mais desanima e que repele o Espírito Santo? Uma pessoa alegre pratica o bem, gosta das coisas boas e agrada a Deus. O triste, pelo contrário, sempre age errado (Pastor de Hermas, Mand. 10,1.1; 3.1).
─ A alegria, antítese da tristeza, enche-nos de vitalidade e desperta vitalidade nos outros . É dinâmica e amável. Pode-se dizer que uma pessoa alegre – alegre de coração – faz sair o sol em qualquer lugar onde se encontra.
Mas, talvez nos perguntemos: “É possível a alegria como um bem estável da alma, como algo permanente? Não é, na realidade, como um vagalume, uma luzinha efêmera que pisca só uns instantes na escuridão da noite?”
Deus nos responde que não.
─ Escute Jesus, falando as Apóstolos na Última Ceia, pouco antes da Paixão: Vós, sem dúvida, agora estais tristes. Mas hei de ver-vos outra vez, e o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria (Jn 16,22).
─ Escute São Paulo, falando aos primeiros cristãos que acabavam de abraçar a fé: Nós estamos sempre contentes! (2 Cor 6,10).
─ E ouça-o ainda dando o “mandamento da alegria” aos filipenses: Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos! … O Senhor está próximo. Não vos inquieteis com coisa alguma!  (Fl 4,4-6).
Será possível essa alegria?
Essa é a pergunta que se fazia Bento XVI, ao iniciar, com uma meditação, o Sínodo dos Bispos de 2005. Acabava de ler as palavras com que Paulo termina sua segunda carta aos coríntios: Por fim, irmãos, vivei com alegria…, animai-vos…, vivei em paz. E o Deus do amor e da paz estará convosco (2 Cor 13,11), e fazia o seguinte comentário:
– «É possível ordenar, mandar desta forma a alegria? A alegria, poderíamos dizer, vem ou não vem, mas não pode ser imposta como um dever. Neste ponto, ajuda-nos a pensar o texto mais conhecido sobre a alegria das cartas paulinas: Alegrai-vos sempre no Senhor. O Senhor está perto” [refere-se a Fl 4,4, acima citado]…
»Se a pessoa amada, se o amor, o maior dom da minha vida, estiver próximo de mim, se eu puder ter a certeza de que aquele que me ama – Deus – está perto de mim, também nos momentos de tribulação, então poderá manter-se firme no meu coração uma alegria maior do que todos os sofrimentos» (Meditação, 3/10/2005).
No mesmo sentido, o Papa Francisco afirma, com a leveza jovial de quem habitualmente está de bom humor: «A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus […]. O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria […] Reconheço que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de que, não obstante as aparências contrárias, somos infinitamente amados» (Encíclica Evangelii Gaudium nn. 1.5.6).
Deus nos ama. Somos seus filhos muito amados (Ef  5,1). Ele está sempre perto de nós. Nós é que podemos afastar-nos dele, e então baixa a tristeza ao nosso coração. Como dizia São Josemaria [sem se referir, como é lógico, à tristeza patológica que procede da depressão]: «A alegria é um bem cristão. Só desaparece coma ofensa a Deus, porque o pecado é fruto do egoísmo e o egoísmo é causa de tristeza» (É Cristo que passa, n. 178).
E convidava a fazer um exame: «Não há alegria? – Então pensa: há um obstáculo entre Deus e mim. – Quase sempre acertarás» (Caminho, n. 662).
Quer dizer que, para estarmos alegres e alegrar os demais, é preciso que aumente o nosso amor a Deus – a nossa vida de oração, o nosso amor à Eucaristia, a nossa mortificação por amor, a nossa luta pelas virtudes –, e que vençamos o egoísmo, correspondendo generosamente ao amor que o Espírito Santo derrama em nossos corações (cf. Rm 5,5 e Gl 5,22).
O bom humor
Que tem alegria, tem bom humor. «Onde quer que a alegria esteja ausente, onde quer que desapareça o senso do humor, com certeza ali não estará o espírito de Jesus» (J. Ratzinger, Princípios teológicos). Não se trata do humorismo sarcástico, irônico, que agride e humilha os outros. Mas do bom humor amável, que faz bem, como um bálsamo que suaviza e perfuma as asperezas da vida.
Como andamos de sadio bom humor lá em casa? E no ambiente de trabalho, entre colegas e amigos? E, em geral, com todas as pessoas com quem temos contato, mesmo que seja ocasional. Ficamos de cara fechada, com reações bruscas, queixas, gestos antipáticos e respostas ríspidas?  Ou temos uma amabilidade sorridente, como a de Cristo ressuscitado: Alegraram-se os discípulos ao ver o Senhor (Jn 20,20)?
O papa Francisco, usando uma expressão popular, tem repetido que o cristão não pode ter «cara de vinagre». Se tivermos vinagre no coração precisamos limpá-lo e enxugá-lo bem, sobretudo conversando com Deus, como dizia Santo Agostinho e o Papa Bento lembrava na sua encíclica sobre a esperança (Spe salvi, n. 33).
Quem é que tem vinagre no coração? Aquele que vive como descrevem estas palavras: «Não és feliz porque ficas ruminando tudo como se sempre fosses tu o centro: é que te dói o estômago, é que te cansas, é que te disseram isto ou aquilo… – Já experimentaste pensar nEle e, por Ele, nos outros? » (Sulco, n. 74).
Quem limpa o vinagre? Aquele que descobriu o que se lê em outro pensamento do mesmo livro: «Talvez ontem fosses uma dessas pessoas amarguradas nos seus sonhos, decepcionadas nas suas ambições humanas. Hoje, desde que Ele se meteu na tua vida – obrigado, meu Deus! –, ris e cantas e levas o sorriso, o Amor e a felicidade aonde quer que vás» (n. 81).
As almas cristãs, sobretudo os santos, nos dão exemplos maravilhosos desse bom humor que procede da caridade e da luta espiritual. Não veja os exemplos que vou mencionar a seguir como legendas áureas, só dignas de admiração, mas como lampejos, como mensagens que batem no seu coração, e lhe dizem: “E você…, com que fé e amor vive a alegria diante de situações muito menos difíceis?”.
Exemplos de santos
─ São Filipe Neri, Pippo il buono, que muitos veneravam como santo ainda em vida, sabia fazer ingênuas palhaçadas «para sabotar em si  – como diz um escritor[1] – a tentação do orgulho, pois o riso, às custas de si mesmo, libera do inchaço da vaidade e atrai alegremente todos para Deus». Como é bom saber rir de si mesmo, sem dar importância aos nossos “méritos”, nem aos nossos “dramas” e “tragédias”cotidianos.
─ São Josemaria Escrivá referiu certa vez o que lhe aconteceu quando ainda era um jovem padre. Por causa de uma contrariedade forte, «irritei-me… e depois me irritei por ter-me irritado». Nesse estado de ânimo, indo pelas ruas de Madrid, passou por uma daquelas máquinas que faziam seis fotografias rápidas por quatro tostões, e Deus lhe inspirou uma ideia. Entrou na cabine e tirou as fotografias. Dizia que olhou para elas, e  «estava engraçadíssimo com a cara de irritação!». Rasgou cinco das fotos e guardou a sexta na carteira durante um certo tempo. «De vez em quando – comentava –, olhava-a para ver a cara de irritação, humilhar-me diante do Senhor e rir-me de mim mesmo: «Por bobo!, dizia para mim»[2].
─ É célebre o impressionante exemplo de humor de São Thomas More, chanceler da Inglaterra, quando ia ser decapitado por ter-se oposto a aderir ao cisma religioso provocado pelo rei Henrique VIII. Quando inclinava a cabeça sobre o talho, olhou para o carrasco e disse-lhe: «Ânimo, rapaz! Não tenhas medo de cumprir o teu dever. O meu pescoço é muito curto. Cuida, pois de não cortá-lo de lado, para que não fique abalado o teu prestígio» E após isso acrescentou: «Deixa-me ajeitar a barba, não aconteça que também a cortes. Ela nada tem nada a ver com isso»[3].
Um precedente muito mais antigo que esse de Sir Thomas é o do diácono de Roma São Lourenço, martirizado no ano de 285. Segundo conta Santo Ambrósio, foi queimado a fogo lento, deitado numa grelha. Brincando com os verdugos, disse em certo momento: “Este lado já está assado, podem virar-me para o outro”[4].
Após refletir sobre esses exemplos – quatro entre muitos – talvez seja bom terminar este capítulo transcrevendo uma oração “para pedir o bom humor” – que tanta falta nos faz –, composta por São Thomas More. Diz-se que a rezava todos os dias:
─ «Dai-me, Senhor a saúde do corpo e, com ela, o bom senso pra conservá-la o melhor possível. Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir. Dai-me uma alma santa, Senhor, que mantenha diante dos meus olhos tudo o que é bom e puro. Dai-me uma alma afastada do tédio e da tristeza, que não conheça os resmungos, as caras fechadas, nem os suspiros melancólicos… E não permitais que essa coisa que se chama o “eu”, e que sempre tende a dilatar-se, me preocupe demasiado. Dai-me, Senhor, o sentido do bom humor. Dai-me a graça de compreender uma piada, uma brincadeira, para conseguir um pouco de felicidade e para dá-la de presente aos outros. Amém».



[1] Carlos Pujol, La casa de los santos, Ed. Rialp, Madrid 1991, p. 185
[2] José Luís Soria, Mestre de bom humor, Ed. Quadrante, São Paulo 2002, p. 95.
[3] A. Vázquez de Prada: Sir Thomas More, p. 18
[4] Carlos Pujol, obra citada, pág. 269

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