PRUDÊNCIA: A REALIZAÇÃO


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QUARTA E ÚLTIMA ETAPA: A REALIZAÇÃO 
  1. Decisões de curto e longo prazo
Nem todas as decisões, como é óbvio, têm subjetivamente a mesma dimensão. É diferente a decisão de votar num determinado candidato da decisão de constituir uma família ou de instalar uma grande usina. Todas elas exigem uma ponderação prévia, séria e responsável. Mas, nas eleições, o ato de votar é coisa de minutos. Nos outros casos, a responsabilidade é contínua, sine die.
Vamos chamar “decisões permanentes” essas que miram a vida inteira ou um longo período de tempo. Jesus amava a palavra permanecer. Repetiu-a com insistência na Última Ceia quando se despedia dos apóstolos: Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós… Aquele que permanece em mim, esse dá muito fruto… Permanecei no meu amor… (Jo 15, 4.5.9).
Permanecer significa manter a decisão tomada, apesar das dificuldades, do cansaço e das demoras.
Segundo Pieper, a prudência nesses casos «significa a coragem que se arrisca na decisão irreversível»[1].
As decisões que atingem profundamente a vida devem manter-se vivas através dos anos, contra vento e maré. Para conseguir isso, são necessárias três qualidades habituais: firmezacapacidade de renovar-se e humildade de retificar.
  1. Firmeza
Vamos escutar umas palavras de Santa Teresa de Ávila, que são como uma sacudida revigorante da alma. Dirigindo-se às jovens que desejavam seguir a vocação de carmelita descalça, escreve:
«Importa muito, e tudo, uma grande e muito determinada determinação de não parar até alcançar a meta, venha o que vier, aconteça o que acontecer, sofra-se o que se sofrer, murmure quem murmurar, mesmo que não se sintam forças para prosseguir, mesmo que se morra no caminho ou não se tenha ânimo para os sacrifícios que há que enfrentar, ainda que se afunde o mundo…»[2].
Santa Teresa era enérgica. Uma mulher e tanto, que ultrapassou com garra mil obstáculos. Mas não foi o que hoje se chama uma “voluntarista”, isto é, uma pessoa que acha que tudo depende única e exclusivamente da sua força de vontade. Esse foi o erro de Pelágio, no século V, que a Igreja condenou. 
Santa Teresa nunca se esqueceu de que, sem a ajuda a graça de Deus, não seríamos capazes de mexer um dedo[3]. Pelo menos uma vez por semana, como todas as Irmãs, rezava com estas palavras: Se o Senhor não construir a casa, é inútil a fadiga dos que a constroem (Sl 127 [126], 1); pois tu és, ó Deus, a minha fortaleza (Sl 43 [42], 2). Por isso, ao empreender tarefas que ultrapassavam as suas forças confiava tudo a Deus mediante muita oração, intensa e cheia de fé, e pedia às suas Irmãs que orassem dia e noite, sem cessar, “importunando” a Deus com suas petições.
Ao mesmo tempo, sabia que, contando em primeiro lugar – sempre e para tudo –, com o auxílio da graça de Deus, é preciso que façamos da nossa parte todo o esforço humano possível. Deus não abençoa a preguiça nem a inconstância. Ele quer contar com a nossa colaboração. Então podemos exclamar: Sim, contigo sinto-me forte, com o meu Deus venço qualquer barreira (Sl 18 [17], 30).
As barreiras, as dificuldades, são o teste da firmeza das nossas decisões[4]. Quando queremos mesmo, enfrentamos os problemas com força. Assim, os obstáculos que ameaçam impedir-nos de chegar à meta – mesmo os da nossa fraqueza, das nossas debilidades ou quedas pessoais –, em vez de nos paralisar, nos estimulam a reagir, a rezar mais e a empenhar-nos mais.
«Cresce perante os obstáculos – lemos em Caminho – A graça do Senhor não te há de faltar: Inter medium montium pertransibunt aquae!: – passarás através das montanhas! ( n. 12).
Assim, mantendo a firmeza perante as dificuldades, as virtudes que nos farão chegar à meta amadurecem: a humildade, o amor, a esperança, a perseverança, a fé, a paciência, o espírito de sacrifício … As águas passam através das montanhas e, com a ajuda de Deus, atingimos o ideal proposto.
  1. Capacidade de renovação
As melhores “decisões permanentes” esmorecem quando nos dedicamos apenas a  marcar o passo, a prosseguir por inércia, por rotina cega.
Digo rotina cega, porque há rotinas lúcidas. A cega é a simples continuidade, manutenção mecânica e mortiça de uma resolução tomada tempos atrás. A lúcida é a que se renova todos os dias, e se vivifica com iniciativas criativas.
Entre as decisões permanentes, mencionávamos antes a decisão de construir uma família. Fiquemos com esse exemplo. Você deve ter visto muitas vezes – vezes demais! – famílias que começaram bem, no sonho e a esperança, … e foram esmorecendo até afundar-se num mundo cinzento de maus humores, egoísmos e queixas. O amor ficou no grau mínimo da fidelidade: apenas “não” se separaram.
Não foi para afogar-se nesse nevoeiro que marido e mulher decidiram casar-se e ter filhos. Acontece, porém,  que deixaram o barco correr sem se renovar, e assim a família foi deslizando rio abaixo, até perder grande parte da alegria, dos sonhos e do ideal.
A rotina “cega” vai desgastando a força das decisões. Pelo contrário, a rotina “lúcida” as desenvolve, as purifica, as mantém vivas, as multiplica e as leva à maturidade.
É bom meditar no que dizia Santo Agostinho: «Não fiques nunca satisfeito com aquilo que és, se queres chegar ao que ainda não és. Porque onde te consideraste satisfeito, lá mesmo ficaste parado. Se disseres “já basta”, morreste. Cresce sempre, progride sempre, avança sempre»[5].
Atitude viva é, por exemplo, a do casal que inicia cada dia com uma pequena ideia nova, uma iniciativa pensada para fazer o outro – ou os outros, os filhos – um pouco mais felizes: um cumprimento mais carinhoso, uma pequena surpresa, uma atitude de proximidade e conforto nas penas, um interesse sincero pelo que aos outros interessa, o propósito de silenciar o que os pode aborrecer e de procurar comentários que incentivem…
É interessante observar que há um grande paralelismo entre o amor a Deus e o amor humano. Se o amor a Deus de um cristão quer crescer – como todos deveríamos desejar – tem que avançar cada dia um pouco, com sacrifício e alegria (melhorando a oração, com confissões e comunhões mais frequentes, com pequenos sacrifícios, com constância diária nas leituras que renovam as ideias e os propósitos, etc.).
Fazendo isso se descobre que quando, na vida de um cristão, o amor a Deus se renova, também os amores humanos se vão renovando com mais facilidade. Não são amores separáveis. Ambos fazem parte do “primeiro mandamento”: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (cf. Mt 22, 37-39).
Tomara que assumíssemos como programa o que descrevia São Gregório de Nissa: «Aquele que vai subindo jamais cessa de progredir, de começo em começo, através de começos que não têm fim[6].
Quando as coisas fundamentais da vida – essas que dão sentido à vida − vão mal, a nossa tentação consiste em culpar os outros ou as circunstâncias. Seria melhor que fizéssemos uma boa autocrítica, que em linguagem cristã se chama exame de consciência: “Se eu melhorasse, se eu mudasse, se eu tentasse…, será que não mudariam muitas coisas à minha volta e, sobretudo, não mudariam os outros?”
Procuremos, então, uma direção espiritual periódica, façamos um retiro ou algum curso de formação cristã, algo …, mas não concluamos que “não dá mais”. Reconheçamos que a nossa decisão permanente  ficou congelada dentro do freezer dos nossos defeitos. Tiremo-la de lá e coloquemo-la diante da luz e do calor de Deus, adotando a tática de Santo Agostinho:
«Ainda corro, ainda avanço, ainda ando, ainda estou no caminho, ainda me esforço, ainda não cheguei. Deste modo, se andas, se te esforças, se tens o pensamento no que está por vir, lança no esquecimento o passado, não voltes o olhar para aquilo, para que não fiques no mesmo ponto onde te detiveste para olhar»[7].
  1. A humildade de retificar
Mais uma vez voltemos à sabedoria de Santa Teresa: «Para acertar, aproveita muito haver errado, porque assim se ganha experiência»[8].
Com um otimismo idêntico, São Josemaria escrevia: «Fracassaste? – Tu (estás bem convencido) não podes fracassar. –Não fracassaste; adquiriste experiência . – Para a frente»[9]. Naturalmente, está se dirigindo a cristãos que contam com Deus, e sabem que, junto dele, sempre é possível retificar os erros com humildade e recomeçar de novo com mais brio.
Deixemos que o mesmo santo nos fale dessa dimensão esperançosa da prudência, especialmente da prudência do cristão:
«Não é prudente quem nunca se engana, mas quem sabe retificar os seus erros… Que importância tem tropeçar, se na dor da queda encontramos a energia que nos reergue e nos impele a prosseguir com alento renovado? Não nos esqueçamos que santo não é o que não cai, mas o que se levanta sempre, com humildade e com santa teimosia.
» Nas batalhas da alma, a estratégia é muitas vezes questão de tempo, de aplicar o remédio conveniente, com paciência, com teimosia. Aumentai os atos de esperança. Quero lembrar-vos que sofrereis derrotas, ou passareis por altos e baixos , porque ninguém está livre desses percalços. Mas o Senhor, que é onipotente e misericordioso, concedeu-nos os meios idôneos para vencer[10].
Na nossa dedicação ao cumprimento das decisões permanentes  todos encontraremos o obstáculo das nossas fraquezas, que nos impelem:
─ a deixar de esforçar-nos por causa do cansaço
─ a cair no poço do pessimismo e o desalento, com complexo de vencidos
─ a ceder à tentação de desistir, trocando os melhores ideais pelo caminho fácil dos desvios morais (infidelidade, fuga do sacrifício, troca do dever pelo prazer, “jeitos” de ética duvidosa para poupar dores de cabeça, etc.).
Nada disso é bom, mas nada disso é um muro insuperável. Chesterton comentava que não existem “becos sem saída”. Sempre há uma saída: voltar para trás, desandar o caminho andado, ou seja, arrepender-nos, se a falha foi nossa, e corrigir – com o perdão e a ajuda de Deus – os rumos do coração e da conduta; ou então aproveitar a experiência de um fracasso sofrido sem culpa nossa e iniciar de novo – com “santa teimosia” – o itinerário da prudência (refletir, aconselhar-se, avaliar, até achar, com confiança em Deus e boa vontade, um novo caminho para recomeçar).


[1] Obra citada, p. 33
[2] Caminho de perfeição, 21, 2
[3] Permanecei em mim –disse Jesus – e eu permanecerei em vós. Como a vara não pode dar fruto por si mesma, se não estiver unida à videira, assim acontecerá convosco se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer (Jo 15, 4-5).
[4] cf. O valor das dificuldades, 2ª ed., Ed. Quadrante, São Paulo.
[5] Sermão 169, 18
[6] Cf. Homilias sobre o Cântico dos cânticos, n. 8
[7] Sermão, n. 169, 18
[8] Carta n. 307, à Madre Maria de São José (Sevilha)
[9] Caminho, n. 405
[10] Cf. Amigos de Deus, nn. 88, 131, 219

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