Os Anjos falam?
A existência dos Anjos nunca foi motivo de dúvida, mesmo no
Antigo Testamento, pelas pessoas que tinham Fé nas Sagradas Escrituras.
Quase a cada página eles estão presentes intervindo nos acontecimentos,
cumprindo alguma ordem divina ou simplesmente auxiliando os homens.[1]
No Novo Testamento essa crença se torna ainda mais vigorosa.
Com efeito, a doutrina católica ensina que Deus designa um Anjo para
guardar cada homem desde o instante de seu nascimento. Esse Anjo não
terá outra pessoa a quem proteger durante toda a história da humanidade,
mesmo depois da morte do seu protegido. Estes celestes guardiões nos
amparam permanentemente em nossa peregrinação terrena.[2]
Contudo, conversar com o próprio Anjo da Guarda, como quem fala com
um amigo íntimo ou um irmão, é um fato extraordinário, que raras vezes
acontece. Mas, os Anjos comunicam-se conosco, por meio de uma linguagem
que não é de palavras, e com mais frequência do que se pensa.
E de alguma maneira, sempre estamos nos relacionando com o nosso
Anjo, e, sobretudo, ele conosco. Mas como se dá essa comunicação se ele
não possui corpo material, e, portanto, não tem boca nem língua? Como os
Anjos conversam?
O grande São Tomás de Aquino nos explica que os Anjos podem se
comunicar de duas maneiras diferentes, tanto com os homens quanto entre
si: uma é a iluminação e outra é a simples locução.
A iluminação é o ato pelo qual se manifesta uma verdade.[3] Assim se
diz que um Anjo ilumina outro quando lhe manifesta uma verdade que
conhece e que lhe foi revelada por Deus e que o outro Anjo desconhece ou
conhece em grau menor. Esta iluminação é concedida por Deus a todos os
Anjos, mas nem todos a recebem – ou aproveitam – de igual modo.[4] Isto,
entretanto, não se deve a uma deficiência do modo pelo qual Deus os
ilumina, mas porque a capacidade de apreender é maior para uns e menor
para outros.
O Anjo superior tem uma capacidade maior de apreender as verdades
sobrenaturais, então para que o Anjo inferior possa entender aquilo que o
Anjo superior quer lhe transmitir é necessário que o Anjo superior
fragmente seu conhecimento. O exemplo que o próprio São Tomás dá para
esta teoria é de um professor que tem um conhecimento muito amplo da
matéria que leciona e que ao apresentá-la aos alunos divide-a em partes
coerentes e ordenadas, de modo que os alunos possam entendê-la.
Evidentemente, os alunos terão um conhecimento da matéria muito inferior
em relação ao do professor, portanto menos perfeito. Algo semelhante se
passa com os Anjos.[5]
Esta forma de comunicação só se dá da parte dos Anjos superiores para
com os Anjos inferiores, mas existe a outra forma de comunicação, que é
a simples locução, na qual também os Anjos inferiores “falam” aos
superiores. São Tomás explica que a locução tem por finalidade
manifestar algo desconhecido àquele com quem se fala ou pedir-lhe alguma
coisa.[6]
A locução se distingue da iluminação, porque a iluminação se
refere às verdades que procedem de Deus […]. A locução tem por objeto a
revelação daqueles conhecimentos que dependem da vontade do comunicante e
que São Tomás denomina “segredos do coração”. Não são verdades
essenciais; são dados da própria consciência pessoal, cuja manifestação
está debaixo do selo da própria vontade. Daí a liberdade característica
de tal comunicação da intimidade[7].
Evidentemente, a comunicação dos Anjos uns com os outros não se
expressa com sons, palavras ou outro elemento material, pois sua
natureza é puramente espiritual. A sua comunicação corresponde a um ato
de vontade de que outros Anjos conheçam ou compreendam conceitos que
possuem e que conservam ocultos, e podem inclusive dar a conhecer a uns e
não a outros, conforme sua vontade.[8] Assim, os Anjos falam também a
Deus, perguntando-Lhe coisas, pedindo esclarecimentos, louvando-O e
glorificando-O.[9]
Isso que no Anjo é co-natural, no homem pode se dar pela graça. Um
Anjo superior pelo simples fato de voltar-se para o inferior já lhe
amplia a capacidade cognoscitiva.[10] Nós poderíamos sentar ao lado de
São Tomás de Aquino durante uma semana que provavelmente não ficaríamos
mais inteligentes, mas por uma graça de Deus poderíamos ficar. O exemplo
prototípico disso é o cumprimento de Nossa Senhora a sua prima Santa
Isabel. Maria provavelmente não deu uma aula de filosofia à sua prima,
mas o simples fato de Ela ser quem é e estar ali, de fazer ouvir sua
voz, foi o suficiente para que Santa Isabel percebesse estar ali a Mãe
do Messias e para santificar São João Batista no claustro materno.
É sem dúvida essa “iluminação” que nos move a querermos estar
próximos das pessoas de quem gostamos, pois sentimos que alguma coisa
nos eleva e nos atrai.
E sobre o que conversam os Anjos? Evidentemente, o principal objeto
da conversa angélica é Deus, pois toda criatura tende naturalmente a
voltar-se para o Criador, sobretudo em se tratando de criaturas tão
perfeitas como são os Anjos, além de estarem na Visão Beatífica, sempre
vendo aspectos novos de Deus durante toda a eternidade, pois sendo Deus
infinito, por mais que eles vejam a Deus no seu todo, não O vêem
totalmente, o que é impossível a qualquer criatura.
Mas, podemos concluir disso que um dos temas sobre os quais os Anjos
conversam é a intervenção de Deus na Obra da Criação, ora o elemento
mais importante da criação é o homem. Em última análise os Anjos
conversam sobre a ação de Deus na história da humanidade.[11] A respeito
da criação os Anjos superiores comunicam aos inferiores tudo o que vêem
em Deus.
Poderíamos imaginar inclusive uma conversa angélica na qual os nossos
Anjos da Guarda perguntam a algum Anjo mais elevado como compreender
melhor o seu protegido, e o Anjo superior explica que sua natureza é
constituída de tal maneira e que seria conveniente agir com ele desse ou
daquele modo, que Deus tem este ou aquele plano para ele, etc. Enfim,
cada um pode imaginar – ou dar-se conta de que já aconteceu – mil
circunstâncias em que nossos Anjos da Guarda recorreram a Deus, através
dos Anjos superiores, para nos auxiliar.
Portanto, nossos Anjos da Guarda estão muitas vezes conversando sobre
nós com os Anjos que lhes são superiores, de maneira que nós fazemos
parte de uma “cascata” de Anjos que estão preocupados com cada um de
nós, a fim de nos proteger, auxiliar e interceder por nós junto a Deus.
Mas eles não conversam apenas entre si ou com Deus. Também com os
homens eles se comunicam. Por uma sublime disposição da Providência
Divina, os seres superiores se tornam intermediários entre Deus e os que
lhes são inferiores. Assim os Anjos são intermediários entre o Criador e
os homens.[12]
Como diz São Tomás, citando São Dionízio, o homem não é capaz de
captar um conceito puramente abstrato se não houver em sua mente algo à
maneira de um invólucro que sirva de imagem para poder entender. Por
isso os Anjos apresentam as verdades que querem transmitir aos homens
sob uma aparência sensível a seus sentidos.[13]
Os Anjos, tanto os bons quanto os maus, têm poder sobre a imaginação
humana[14], podendo nos inclinar à prática da virtude, dando-nos boas
inspirações, sugerindo-nos bons propósitos, podem nos ajudar em nossas
tarefas proporcionando-nos boas ideias, enfim, em toda sorte de ações
podemos ser profundamente influenciados pelos espíritos angélicos.
Se nós sentimos tantas vezes as insídias diabólicas a combater contra
nós, com maior razão estará nosso Anjo da Guarda a combater por nós? Se
ele nos permite alguma tribulação, provação ou sofrimento, é apenas
para nosso bem, embora possamos não entender no momento.[15] Mas quanto
mais nos sentimos abandonados, mais estamos sendo amparados
insensivelmente por nosso Santo Anjo da Guarda.
Peçamos, pois, a Deus e a sua Mãe Santíssima uma devoção entranhada
aos Anjos, esses gloriosos intercessores celestes, de que muitas vezes
esquecemos.
[1] Citamos algumas passagens da Escritura mais importantes nas quais os Anjos têm papel de destaque: Gn 3, 24; Gn 22, 11; Dn 3, 49-50; Dn 6, 23; Ex 14, 19; Jz 6, 12. 22; 1Cr 21, 7. 15-16; Lc 1, 26-38; Mt 2, 13; Mc 16, 5-7; At 12, 7-11; entre outras.
[2] Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología, I, q. 113; Cf. BASÍLIO, São. Contra Eunômio, Livro 3, n. 1; Cf. ORÍGENES. Comentários ao Evangelho de São Mateus, 5; Cf. JERÔNIMO, São. Commentaire sur Saint Matthieu, Tomo 2, Livro 3, Cap. 18; Cf. Catéchisme du Concile de Trente, Parte 4, Cap. 39, n. 1; Cf. VALBUENA, Jesús. Introdução à questão 113. In: Suma Teológica, BAC, Madrid, 1950, p. 932; Cf. JOÃO XXIII. Discurso do 2 de outubro de 1960; Cf. JOÃO XXIII. Discurso na Basílica de Santa Maria dos Anjos de 9 de setembro de 1962.
[3] Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología, I, q. 106, a. 1, resp.
[4] Cf. Idem., a. 4, resp.
[5] Cf. Idem., a. 1, resp.
[6] Cf. Idem., q. 107, a. 2, resp.
[7] BARRENECHEA, José Maria. Introdução às questões 103 a 119. In: Suma Teológica, 4ª ed., BAC Maior, Madrid, 2001, p. 878.
[8] Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología, I, q. 107, a. 2, resp.
[9] Cf. Idem., a. 3, resp.
[10] Cf. Idem., q. 106, a. 1, resp.
[11] Cf. Idem., q. 113, a. 8, sed contra e resp.
[12] Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología, I, q. 111, a. 1.
[13] Cf. Idem.
[14] Cf. Idem., a. 3.
[15] Cf. Idem., q. 113, a. 6.
https://ocatolico.com.br/os-anjos-falam.html
Comentários
Postar um comentário