Nos detalhes monótonos de cada dia


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«Na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de cada dia, tens que descobrir o segredo – para tantos escondido – da grandeza e da novidade: o Amor» (Sulco, n. 489).

Nos detalhes monótonos de cada dia

Continuemos meditando sobre a vida cotidiana, essa sequência de um dia após o outro. O  texto de são Josemaria, que acabamos de citar, fala em «detalhes monótonos». Quantas vezes não achamos monótona a repetição dos dias que parecem fotocopiados, cada um, do dia anterior, da semana anterior, do mês anterior. Sempre a mesma coisa!

Se não infundimos vida nessa rotina, o tempo passa cada vez mais depressa, e mais vazio. «Ora! Já estamos no fim do ano? Como o tempo passou depressa, parece que a cada ano corre mais rápido… Não fiz nem metade do que queria fazer».

A vida cotidiana às vezes parece-se com o fluxo da água que escapa de um cano furado. Ninguém repara, vai escorrendo, e o tanque fica vazio.

Sobra então uma sensação de frustração, que deixa um mau sabor na alma. Foi um ano meio-vazio! Santo Agostinho detestava a rotina morna, e escrevia nas Confissões: «Tanto quanto a morte, apavorava-me ficar preso ao fluxo da rotina»[1].

Para vencer a rotina

Que fazer? Variar, simplesmente? Andar mudando de ocupação, de mulher ou de marido – como alguns fazem, infelizmente, quando se cansam de ouvir «sempre a mesma toada» –, mudar de cidade?». Se isso passasse pela nossa cabeça, teríamos que meditar estas palavras da Imitação de Cristo: «A muitos iludiu a mudança de lugar». É engano achar que a mudança, por si só, resolve os problemas. Pura ilusão, pois em qualquer lugar carregaremos a nossa miséria ou a nossa riqueza espiritual.

O segredo para dar vida à rotina – como em tudo – é o amor. Nunca percamos esse enfoque, mesmo que o devamos repetir cem vezes. São Paulo tinha-o sempre presente: Se não tiver amor, nada me aproveita (Cor 13,3).

Quando se ama, cada dia o sol de Deus ilumina com luzes novas as nossas palavras, gestos, e ações…, mesmo que externamente sejam exatamente iguais aos do dia anterior.

O poeta hindu e prêmio Nobel de literatura, Rabindranath Tagore, sem ser cristão, intuía esta bela realidade num os seus poemas: «Verdadeiramente, a pouca beleza e paz que ainda se podem encontrar entre os homens, se acham no cumprimento cotidiano dos pequenos deveres, e não nas grandes empresas nem nos altos falatórios».

Lembremos a seguir algumas atitudes que exprimem ou facilitam fazer as coisas com amor – mesmo que custe – e, assim, renovam a alma.

  • Saber começar. Desencalhar o dever que está parado e fica sendo um peso incômodo na consciência. Já dizia o poeta latino Horácio que começar é ter metade do trabalho feito. Mas, como custa! Atrasamos tantas coisas! Não nos decidimos a enfrentar, apoiados em Deus, certos problemas familiares ou profissionais, não começamos a retomar seriamente deveres religiosos que já andaram bem e agora estão descuidados, vamos procrastinando conversas inadiáveis… Sem reparar, seguimos a péssima sentença: «Deixa estar, para ver como é que fica».

«Para acabar as coisas, é preciso começar a fazê-las. – Parece óbvio, mas falta-te tantas vezes esta simples decisão!» (Sulco, n. 492).

  • Da mesma forma, praticamos o amor quando assumimos o lema “Hoje e agora!” (o Hodie et nunc dos latinos, que um mau latinista traduzia bem por «hoje ou nunca»), ou seja, quando nos decidimos a praticar «minutos heroicos»[2]: a hora em ponto de levantar da cama, a hora de desligar a tv, a hora certa de olhar mensagens e navegar nas redes sociais (que não é toda nem qualquer hora!), a hora de promover no momento certo conversas em família, a hora de dormir sem enrolar com coisas inúteis.

  • Amar é também aprender a distinguir, no dia-a-dia, a diferença entre «aproveitar o tempo» e «encher o tempo». Você já deve ter dito mais de uma vez: «Hoje não parei, foi aquela correria, fiquei exausto…e não fiz nada». Por esse caminho pode acabar como o Tio Vânia da peça de teatro homônima de Tchekhov, que dizia: «Quarenta e sete anos e não fiz nada!».

Por quê esse vazio? Quase com certeza, porque nos faltou uma pausa tranquila só para orar (talvez bem no início do dia, acordando uns dez minutos antes do que fazíamos até agora) , para refletir diante do Senhor, e para planejar as coisas do dia, prevendo – com decisão – a melhor sequência das diversas tarefas, inclusive anotando a lista delas, como quem assina um compromisso consigo mesmo. Isso é começar o dia dirigindo a bússola do coração para Deus.

Sem isso, é fácil atirar-se atabalhoadamente ao que parece urgente e não o é; ou ao que é mais fácil; e sentir que ficou curto o tempo para as demais obrigações…, sempre com a sensação de pressa, enquanto perdemos tempo zanzando à toa ou demorando-nos em papos furados…

Tomara que não aconteça conosco o que aconteceu com aquela pessoa que foi louvada, porque diziam «quanto trabalha!», e o chefe, que a conhecia bem, corrigiu: «Diga, antes: quanto se mexe!»[3].

  • E, ainda, peçamos luz a Deus para transformar os nossos «tempos mortos» em «tempos vivos»; isto é, para prever como encher positivamente os ocos do tempo: as esperas entediantes inevitáveis, os intervalos maiores que os previstos, os do cliente ou paciente que não aparece, os engarrafamentos no trânsito.

Conheço pessoas que tiram um bom proveito desses «tempos mortos»: porque já haviam previsto, para preenchê-los, leituras e áudios culturais ou formativos, ou orações, como por exemplo o Terço em pen-drive. E, com isso, aproveitam o tempo – que é um dom de Deus – quando estão guiando carro, no metrô, nas caminhadas pela rua, nas corridas matutinas… Quando aparecem os ocos do tempo, essas pessoas sabem perfeitamente ─ sem ansiedade nem desconcerto ─ o que vão fazer.

Oxalá que algum dia, com a ajuda da graça divina, possamos dizer, como são Josemaria: «Do Amor de Deus e para o seu Amor vivo eu, apesar das minhas misérias pessoais. E apesar dessas misérias, talvez por causa delas, é o meu Amor um amor que todos os dias se renova»[4].

[1] Et quasi mortem reformidabam restringi a fluxu consuetudinis.
[2] cf. Caminho, n. 206
[3] cf. Sulco, n. 506
[4] Citado em Álvaro del Portillo, Josemaria Escrivá, Instrumento de Deus, 2ª ed. Quadrante 1992, pág. 21

Trecho do livro Deus na vida cotidiana, Cultor 2019

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