OS EFEITOS DA EUCARISTIA S. Tomás de Aquino
1 - No Sacramento da Eucaristia, em virtude das palavras
da instituição, as espécies simbólicas se mudam em corpo e sangue; seus acidentes
subsistem no sujeito; e nele, pela consagração, sem violação das leis da
natureza, o Cristo único e inteiro existe Ele próprio em diversos lugares,
assim como uma voz é ouvida e existe em vários lugares, continuando inalterado
e permanecendo inviolável quando dividido, sem sofrer diminuição alguma.
Cristo, de fato, está inteira e perfeitamente em cada e em todo fragmento de
hóstia, assim como as aparências visíveis que se multiplicam em centenas de
espelhos.
2 - O efeito deste Sacramento
deve ser considerado, portanto, primeira e principalmente em função daquilo que
nele está contido, que é o Cristo.
Ele, vindo ao mundo em forma
visível, trouxe ao mundo a vida da graça, segundo nos diz o Evangelho de João:
"A graça e a verdade,
porém, vieram por meio de Jesus Cristo”
Assim, da mesma forma, vindo
Cristo ao mundo em forma sacramental, opera a vida da graça, segundo ainda
outra passagem do mesmo Evangelho:
"Quem me come, viverá por
mim”
3 - O efeito deste Sacramento
deve, ademais, ser considerado também pelo que ele representa, que é a Paixão
de Cristo. Por isto, o efeito que a Paixão de Cristo realizou no mundo, este
Sacramento também realiza no homem.
4 - O efeito deste Sacramento
também deve ser considerado pelo modo através do qual ele é trazido aos homens,
que é por modo de comida e bebida. E por isto todo efeito que a bebida e a
comida material realizam quanto à vida corporal, isto é, sustentar, crescer,
reparar e deleitar, tudo isto realiza este Sacramento quanto à vida espiritual.
E é por isto que se diz:
"Este é o pão da vida
eterna, pelo qual se sustenta a substância de nossa alma".
De onde que o próprio Senhor diz,
no Evangelho de São João:
"Minha carne é
verdadeiramente comida, e meu sangue é verdadeiramente bebida”.
5 - Finalmente, o efeito do
Sacramento da Eucaristia deve ser considerado pelas espécies em que este
Sacramento nos é oferecido. Foi por causa disto que escreveu Santo Agostinho:
"O Senhor confiou-nos
o Seu Corpo e o Seu Sangue em
coisas tais que são reduzidas à unidade a partir de muitas outras, porque o pão é um, embora conste de muitos grãos, e
o vinho é feito a partir de muitas
uvas".
E por isso ele também escreveu em
outro lugar:
"Ó Sacramento da piedade,
ó sinal da unidade, ó vínculo da caridade!”.
6 - E porque Cristo e sua Paixão são causa da graça, e uma
refeição espiritual e a caridade não podem existir sem a graça, por todas estas
coisas é manifesto que este Sacramento confere a graça.
7 - Mas, conforme diz São
Gregório na homilia de Pentecostes,
"o amor de Deus não é ocioso;
opera grandes coisas, se de fato existe".
Por isto, por meio deste
Sacramento, o quanto pertence a seu efeito próprio, não somente é conferido o
hábito da graça e da virtude, mas também esta é conduzida ao ato, segundo o que
está escrito na Segunda Epístola aos Coríntios:
"O amor de Cristo nos
impele".
Daqui é que provém que pela
virtude do Sacramento da Eucaristia a alma faz uma refeição espiritual por
deleitar-se e inebriar-se pela doçura da bondade divina, segundo o que diz o
Cântico dos Cânticos:
"Comei, amigos, e bebei;
e inebriai-vos, caríssimos".
8 - Este Sacramento também tem
virtude para a remissão dos pecados veniais, o que pode ser visto pelo fato de
que ele é tomado sob a espécie de alimento nutritivo. A nutrição proveniente do
alimento é necessária ao corpo para restaurar aquilo que em cada dia é
desperdiçado pelo calor natural. Espiritualmente, porém, em nós também é
desperdiçado a cada dia algo pelo calor da concupiscência pelos pecados veniais
que diminuem o fervor da caridade. E por isto compete a este Sacramento a
remissão dos pecados veniais. De onde que Santo Ambrósio diz, no livro Dos
Sacramentos, que este pão de cada dia é tomado "como remédio da
enfermidade de cada dia".
9 - Ademais, a coisa deste
Sacramento é a caridade, não somente quanto ao hábito, mas também quanto ao
ato, ao qual é conduzida neste Sacramento, pelo qual os pecados veniais se
dissolvem. De onde que é manifesto que pela virtude deste Sacramento ocorre a
remissão dos pecados veniais. Os pecados veniais, ao contrário dos mortais, não
contrariam a caridade quanto ao hábito, mas contrariam a caridade quanto ao
fervor do ato, ao qual é conduzida por este Sacramento. É por esta razão que os
pecados veniais são perdoados pelo Sacramento da Eucaristia.
10 - O Sacramento da Eucaristia
pode também perdoar toda a pena devida ao pecado. Este efeito pode ocorrer
tanto por ele ser sacrifício, como por ser sacramento. A Eucaristia possui
razão de sacrifício na medida em que é oferecido; possui razão de sacramento na
medida em que é tomado.
11 - Como Sacramento, a Eucaristia possui diretamente
aquele efeito para o qual foi instituído. Não foi, porém, como Sacramento,
instituído para satisfazer, mas para alimentar espiritualmente pela união a
Cristo e aos seus membros, assim como o alimento se une ao alimentado. Mas
porque esta união se realiza pela caridade, por cujo fervor alguém pode
conseguir a remissão não apenas da culpa, mas também da pena, daqui ocorre que
por conseqüência, por uma certa concomitância ao efeito principal, o homem
alcança a remissão também para a pena. Não, porém, de toda a pena, mas de
acordo como o modo de sua devoção e fervor.
12 - Mas, na medida em que é
Sacrifício, a Eucaristia possui virtude satisfatória. Entretanto, também na
satisfação mais deve se considerar o afeto do oferente do que a quantidade da
oblação, de onde que o Senhor disse, no Evangelho de São Lucas, da viúva que
ofereceu apenas duas moedas, que "ofereceu mais do que todos".
Embora, portanto, a oblação eucarística pela sua própria quantidade seja
suficiente para a satisfação de toda a pena, todavia torna-se satisfatória para
aqueles pelos quais é oferecida, ou também para os próprios oferentes, de
acordo com a quantidade de sua devoção, e não por toda a pena.
13 - A Eucaristia também preserva
o homem dos pecados futuros, pelo mesmo modo em que o corpo é preservado da
morte futura. O pecado é uma certa morte espiritual da alma. Ora, a natureza
corporal do homem é preservada da morte pela comida e pelo remédio na medida em
que a natureza humana é interiormente fortificada contra o que pode corrompê-la
interiormente. É deste modo que este Sacramento preserva o homem do pecado,
porque através dele, unindo-se a Cristo pela graça, é fortalecida a vida
espiritual do homem, ao modo de uma comida espiritual e um remédio espiritual.
É assim que diz o Salmo 103:
"O pão confirma o coração
do homem".
14 - A Eucaristia preserva
o homem dos pecados futuros também o defendendo contra as impugnações
exteriores. Pois é sinal da Paixão de Cristo, pela qual foram vencidos os
demônios, de modo que este Sacramento repele toda a impugnação dos demônios.
15 - Ainda que este Sacramento
não diretamente se ordene à diminuição do incitamento do pecado, diminui,
porém, este incitamento por uma certa conseqüência, na medida em que aumenta a
caridade, porque, segundo diz Agostinho no Livro das 83 Questões, "O
aumento da caridade é a diminuição da cobiça".
Diretamente, porém, a Eucaristia
confirma o homem no bem, pelo que também é preservado o homem do pecado.
16 - Este Sacramento, ademais, é de proveito para muitos
outros além dos que o recebem porque, conforme foi dito, este Sacramento não é
apenas sacramento, mas é também sacrifício. Na medida em que neste Sacramento é
representada a Paixão de Cristo, pela qual Cristo se ofereceu a Si mesmo como
hóstia a Deus, possui razão de sacrifício. Na medida, porém, em que neste
Sacramento é trazida invisivelmente a graça sob uma espécie visível, possui
razão de sacramento.
17 - Assim, pois, este Sacramento é, para os que o recebem,
de proveito não só por modo de sacramento, como também por modo de sacrifício,
porque é oferecido por todos os que o recebem.
18 - Mas também é de proveito
para os que não o recebem, embora apenas por modo de sacrifício, na medida em
que é oferecido pela salvação deles. É por isso que no cânon da Missa se diz:
"Lembrai-vos, Senhor, dos
vossos servos e servas, pelos quais nós Vos oferecemos, e eles Vos oferecem
também, este Sacrifício de louvor, por si e por todos os seus, pela redenção de
suas almas, pela esperança de sua salvação e sua segurança".
19 - O próprio Senhor, ademais,
expressou que a Eucaristia seria de proveito para outros além dos que a
recebem, quando disse, na última Ceia:
"Este cálice é o meu
sangue, que por vós", isto é, os que o recebem, "e por
muitos" outros,
"será derramado para o
perdão dos pecados".
20 - Pode-se, porém, argumentar
que sendo o efeito deste Sacramento a obtenção da graça e da glória e a
remissão da culpa, pelo menos da venial, se este Sacramento realmente tivesse
efeito em outros além dos que o recebem poderia acontecer que alguém alcançasse
a glória, a graça e a remissão das culpas sem ação nem paixão própria, por
algum outro ter oferecido ou recebido este Sacramento.
Responde-se a isto dizendo que
assim como a Paixão de Cristo é de proveito para todos para a remissão da
culpa, e a obtenção da graça e da glória, mas não produz efeito senão naqueles
que se unem à Paixão de Cristo pela fé e pela caridade, assim também este
sacrifício que é a Eucaristia, memorial da Paixão do Senhor, não produz efeito
senão naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e pela caridade. De onde
que no Cânon da Missa não se ora por aqueles que estão fora da Igreja. Aos que
nela estão, porém, o Sacrifício Eucarístico é de proveito maior ou menor de
acordo com o modo de sua devoção.
21 - Mas, assim como deve-se
dizer que o Sacramento da Eucaristia obtém a remissão dos pecados veniais,
assim devemos também dizer que os pecados veniais impedem o efeito deste
Sacramento. Pois diz São João Damasceno:
"O fogo do seu desejo que
há em nós, acendendo-se mediante aquele fogo que há no carvão", isto
é, neste Sacramento,
"Queimará nossos pecados
e iluminará nossos corações para que ardamos e nos deifiquemos pela
participação do fogo divino".
Mas o fogo do nosso desejo ou do
nosso amor é impedido pelos pecados veniais, que impedem o fervor da caridade.
Portanto, os pecados veniais impedem o efeito deste Sacramento.
22 - Os pecados veniais podem ser
considerados de dois modos. De um primeiro modo, na medida em que são passados.
De um segundo modo, na medida em que estão sendo exercidos em ato.
Segundo o primeiro modo, os
pecados veniais de nenhum modo impedem o efeito deste Sacramento. De fato, pode
acontecer que alguém, depois de ter cometido muitos pecados veniais, se
aproxime devotamente a este Sacramento e alcance plenamente o seu efeito.
Porém, de acordo com o segundo modo, os pecados veniais
não impedem totalmente o efeito deste Sacramento, mas apenas em parte. De fato,
foi dito que o efeito deste Sacramento não é apenas a obtenção da graça
habitual ou da caridade habitual, mas também uma certa refeição atual de
espiritual doçura. A qual, na verdade, é impedida se alguém se aproximar a este
Sacramento com a mente distraída pelos pecados veniais. O aumento da graça
habitual ou da caridade habitual, porém, não é tirado.
23 - Aquele que com o ato do pecado venial se aproxima
deste Sacramento come espiritualmente segundo o hábito, mas não segundo o ato.
E por isto recebe o efeito deste Sacramento segundo o hábito, não segundo o
ato.
24 - Nisto o Sacramento da Eucaristia difere do Batismo,
porque o Batismo não se ordena a um efeito atual, isto é, ao fervor da
caridade, do modo como ocorre com o Sacramento da Eucaristia. O Batismo é uma
regeneração espiritual, pelo qual se adquire uma primeira perfeição, que é um
hábito ou forma; mas a Eucaristia é uma refeição espiritual que possui uma
deleitação atual.
25 - Quem está em pecado mortal
comete sacrilégio ao receber a Eucaristia, porque há duas coisas sacramentais
na Eucaristia. A primeira, significada e contida, é o próprio Cristo; a
segunda, significada mas não contida, é o Corpo Místico de Cristo, isto é, a
sociedade dos santos. Quem quer que, pois, receba este Sacramento, só por isto
significa estar unido a Cristo e aos seus membros. Ora, isto se realiza pela fé
formada pela caridade, que ninguém pode possuir juntamente com o pecado mortal.
E por isto é manifesto que quem quer que receba este Sacramento em pecado
mortal comete nele falsidade. Incorre, por este motivo, em sacrilégio, como
violador do Sacramento. Peca, por causa disto, mortalmente.
26 - Os pecadores, porém, que tocavam o Corpo de Cristo
não sob a espécie sacramental, mas em sua substância própria, não pecavam. Às
vezes até alcançavam o perdão dos pecados, como se lê no Evangelho de São Lucas
a respeito da mulher pecadora. Isto acontecia porque o Cristo, aparecendo sob a
sua espécie própria, não se exibia para ser tocado pelos homens em sinal de
união espiritual com Ele, como é o caso quando se oferece para ser recebido
neste Sacramento. Foi por isso que os pecadores que o tocavam em sua própria
espécie não incorriam no crime de falsidade contra a divindade, como o fazem os
pecadores que recebem este Sacramento.
27 - O pecador que recebe o Corpo
de Cristo pode ser comparado, quanto à semelhança do crime, a Judas que beijou
Cristo, porque ambos ofendem a Cristo sob um sinal de caridade.
Esta semelhança compete a todos
os pecadores em geral, porque por todos os pecados mortais age-se contra a
caridade de Cristo, de que é sinal este Sacramento, e tanto mais quanto os
pecados são mais graves.
Mas sob um aspecto especial os
pecados contra o sexto mandamento tornam o homem mais inepto para o recebimento
deste Sacramento, na medida em que, a saber, por este pecado o espírito é
maximamente submetido à carne, e desta maneira é impedido o fervor do amor que
é requerido neste Sacramento.
28 - Que ninguém, pois, se
aproxime desta Mesa sem reverente devoção e fervente amor, sem verdadeiro
arrependimento, ou sem lembrar-se de sua Redenção.
Maravilhoso é este Sacramento em que uma inefável eficácia
inflama os afetos com o fogo da caridade. Que revigorante maná é aqui oferecido
para o viajante! Ele restaura o vigor dos fracos, a saúde para os doentes, confere
o aumento da virtude, faz a graça superabundar, purga os vícios, refresca a
alma, renova a vida dos aflitos, vincula uns aos outros todos os fiéis na união
da caridade. Este Sacramento da fé também inspira a esperança e aumenta a
caridade. É o pilar central da Igreja, a consolação dos que falecem, e o
acabamento do Corpo Místico de Cristo. A fé amadurece, e a devoção e a caridade
fraterna são aqui saboreadas. Que estupenda provisão para o caminho é esta, que
conduz o viajante até à montanha das virtudes! Este é o pão verdadeiro que é
comido e não consumido, que dá força sem perdê-la. É a nascente da vida e a
fonte da graça. Perdoa o pecado e enfraquece a concupiscência. Os fiéis
encontram aqui a sua refeição, e as almas um alimento que ilumina a inteligência,
inflama os afetos, purga os defeitos, eleva os desejos. Ó cálice de doçura para
as almas devotas, este sublime Sacramento, ó Senhor Jesus, declara para os que
crêem Tuas maravilhosas obras.
S. Tomás de Aquino
- Summa Theologiae IIIa. Pars Qs. 79-80 -
- Sermão sobre o Corpo do Senhor -
- Sermão sobre o Corpo do Senhor -
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