Só tem mérito o que custa

Todo cristão bem formado sabe que, para seguir a Cristo, é necessário tomar a Cruz: Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (Mt 16,24).
Daí alguns deduzem, extrapolando, que só a cruz dá o toque de qualidade cristã às nossas ações. Em consequência, pensam que todas as ações que dão prazer, sem exigir nenhum sacrifício especial, ou são erradas ou, pelo menos, não têm mérito diante de Deus. É conhecida a frase irônica que diz: “Tudo o que é gostoso, ou é pecado ou faz mal à saúde”. Pode ter graça, mas com certeza não tem razão.
É verdade que as boas ações que custam sacrifício costumam ter mais valor que as ações fáceis, realizadas quase sem esforço. Quanto mais dificuldades são superadas, quantas mais mortificações são praticadas ou suportadas, maior é o mérito dessas ações. Isso é parcialmente verdade, sob certas condições, mas nem sempre o é. Vale a pena um esclarecimento a respeito.
Não há dúvida de que abraçar a mortificação, a cruz, é indispensável para ter uma vida cristã autêntica, madura. Mas o amor à cruz não encerra todo o panorama da vida cristã.
Em primeiro lugar, é preciso repisar que a cruz –ainda que seja imprescindível- não é a única via existente para atingir a santidade, a plenitude do amor a Deus e ao próximo. Sim, é preciso reafirmar que não há cristianismo nem santidade sem cruz; mas é igualmente necessário afirmar que é errado julgar que os atos que não estão marcados pelo sofrimento ou o pelo sacrifício não têm valor diante de Deus.
Só o amor santifica
O que dá valor sobrenatural, meritório, aos nossos atos é a caridade, o amor a Deus e ao próximo. Por isso, muitas vezes se tem repetido – e com toda a razão – que a menor das pequenas tarefas domésticas de Nossa Senhora no lar de Nazaré – tendo em conta que a sua alma imaculada possuía um grau de amor elevadíssimo – tinha mais valor e merecia mais graça e mais prêmio do que os martírios somados de muitos santos.
Se cumprimos com amor a Deus e com amor ao próximo o menor dos nossos deveres, esse dever nos santifica: Queres de verdade ser santo? – pergunta São Josemaria Escrivá –. Cumpre o pequeno dever de cada momento; faz o que deves e está no que fazes. E, na mesma linha: Um pequeno ato, feito por Amor, quanto não vale!1.
São Paulo fala com alegria de que até os pequenos prazeres honestos do comer e do beber podem ser um meio de santificação e de glória de Deus, quando vividos em espírito de ação de graças ao Senhor: Quer comais, quer bebais ou façais qualquer outra coisa –escreve – fazei tudo para a glória de Deus (1 Cor 10,31).
Pelo contrário, os maiores sacrifícios, feitos sem amor, não valem nada: Ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada me valeria (I Cor 13,3).
É verdade que o espírito de desprendimento, a disposição alegre de tomar Cruz, o esquecimento de nós mesmos, devem estar sempre prontos na alma do cristão; mas não é menos verdade que encontramos Deus inúmeras vezes em tarefas, em tempos de oração, em conversas, em momentos de amor e de amizade, em lazeres honestos, que nos dão imenso prazer, e que, se estão de acordo com a Vontade de Deus e impregnados de seu amor, nos santificam tanto como o sacrifício difícil feito com o mesmo nível de amor.
No meio dessas horas felizes, como condimento que lhes faz mais delicioso o sabor, não falta, com certeza, a pequena mortificação amável, mas não é a mortificação a que dá o caráter santo a esses atos, é a caridade.
A Cruz do cristão é o portão da alegria
Em segundo lugar, é preciso afirmar que a Cruz não é o ponto final, nem na vida de Cristo nem na vida do cristão. E aí está precisamente o seu segredo e a sua grandeza.
Na vida de Cristo, a Cruz foi o caminho escolhido pela Santíssima Trindade para chegar ao triunfo da Ressurreição, que é a verdadeira meta da Redenção: a vitória do Redentor sobre o pecado, o demônio e a morte, que Jesus Ressuscitado nos oferece –como Vida nova e imortal – a todos nós. A Cruz levou Cristo ao cume do Amor, mas esse cume era como o monte que deve ser transposto para se atingir o vale da felicidade que não morre. O mistério da Cruz é mistério pascal, mistério de passagem: passagem da morte para a Vida, do pecado para a graça, da tristeza para a alegria que ninguém nos poderá tirar (Jo 16,22).
Cristo, triunfante e glorificado, mostrando com imensa alegria as chagas vitoriosas da sua Paixão (cfr. Luc 24,39), derrama finalmente sobre nós o Espírito Santo, o Amor pessoal de Deus, que é o grande “fruto da Cruz”2, para que inunde as nossas almas com a sua graça, com os seus sete dons e com a abundância dos seus frutos: amor, alegria, paz, paciência, bondade… (cfr. Gál 5, 22).
É por tudo isso que os autênticos cristãos nunca encararam a Cruz com ar tristonho ou com complexo de vítima. Nunca se obsessionaram neuroticamente com o sofrimento. Nunca se queixaram da Cruz santa, que é o portão da alegria. Gozaram ao sofrer, convencidos de que aquela dor não era um mal, mas a raiz de uma maior alegria. Assim, souberam carregar a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma 3, souberam abraçar a dor com alegria, dando graças ao Senhor por conceder-lhes o privilégio de participar da sua doce Cruz 4.
Sobre essa “arte cristã de sofrer com fé, esperança e amor” escrevi algumas páginas em outra pequena obra sobre “A paciência” 5, que está neste site, entre as “obras de espiritualidade”. Nela se evoca o exemplo empolgante de vários homens e mulheres do nosso tempo que sofreram com paz, com categoria, sem que se notasse, e com o coração totalmente voltado para os outros. Permita-me o leitor remetê-lo para o que lá está escrito.
Dentro dessa perspectiva, desejava terminar com umas palavras de São Josemaria, que me parecem um belo fecho para estas considerações:
“Sinais inequívocos da verdadeira Cruz de Cristo: a serenidade, um profundo sentimento de paz, um amor disposto a qualquer sacrifício, uma eficácia grande, que brota do próprio Lado aberto de Jesus, e sempre –de modo evidente – a alegria: uma alegria que procede de saber que, quem se entrega de verdade, está junto da Cruz e, por conseguinte, junto de Nosso Senhor”6.
(Adaptação de um trecho do livro de F. Faus: A sabedoria da Cruz)
1 Caminho, nn. 815 e 813
2 Josemaría Escrivá, “É Cristo que passa”, n. 96
3 Via Sacra, II estação, n. 3
4 Caminho 658
5 Ed. Quadrante, São Paulo 1995
6 Forja, n. 772

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