"A NECESSIDADE DO PERDÃO"



A palavra perdoar deriva do latim per + donare. «Per» significa intensidade, aumento, totalidade ou a fundo. «Donare» é o mesmo que doar. Portanto, perdoar poderia ser traduzido não só como absolver, desculpar, mas também como «doar intensa e totalmente» a dívida. Ora, doar significa dar sem querer ou esperar algo em troca, ou seja, dar gratuitamente. Assim, perdoar pode também ser compreendido como «dar totalmente» a dívida a alguém. Não em parte, não pela metade, mas «a fundo», totalmente. Isso significa dizer que não existe meio perdão nem perdão que guarda mágoas. Porque se perdoo, ou seja, se dou totalmente a dívida, não me resta nada, não me sobra nada para que possa exigir depois ou usar como justificativa para acusar a outra parte. Quando perdoamos alguém, rasgamos totalmente a dívida que aquela pessoa tinha connosco. Não sobra nada. Não há espaço para afirmações como «Eu já te perdoei, mas não quero mais falar contigo!», ou «Eu já te pedi perdão, mas ainda acho que tu estavas errado!».
O desafio do perdão
Mais do que um acto momentâneo e humano, o perdão é um modo de ser só ao alcance de Deus, tal como se deu a conhecer em Jesus Cristo: perdão total, definitivo e incondicional, para quem o queira acolher. Nós, cristãos, somos chamados a aprender de Deus este modo de ser e a praticá-lo, tanto quanto nos seja possível, dando testemunho da nossa condição de filhos de Deus, reconciliados pelo dom divino do perdão, concedido a toda a Humanidade em Jesus Cristo. É um serviço que prestamos ao mundo, em vistas da unidade e da reconciliação de todos os seres humanos entre si e com Deus.
O perdão não é, de modo algum, uma dádiva nossa aos outros. A dádiva é de Deus. Nós somos, apenas, testemunhas dela. E o nosso testemunho acontece pela acção e pela palavra: agir como gente perdoada, que perdoa e aprende cada dia a perdoar; e falar, anunciando Aquele que nos perdoa e nos ensina a perdoar.
Razões para o perdão
Quando perdoamos, deixamos de estar emocionalmente aprisionados à pessoa que nos fez mal. Ao princípio, experimentamos sentimentos negativos, como a raiva, a tristeza e a vergonha. Depois, tentamos compreender o que se passou ou ter em conta as circunstâncias atenuantes. Ao perdoar, recuperamos o nosso poder de escolha e a nossa liberdade. Não importa se o outro merece perdão; importa que nós merecemos ser livres. Outra razão por que poderemos recusar o perdão é o medo de manifestar fraqueza ou capitularmos. Mas perdoar não é libertar a outra pessoa é, isso sim, tirarmos o punhal que nos espetaram nas nossas próprias costas. Em muitos casos, a outra pessoa nem sequer está ciente do nosso descontentamento, enquanto nós nos dilaceramos com a amargura, a pessoa que nos magoou não sente nada. O passado fere-nos de cada vez que o revivemos e isso prejudica-nos.
História de perdão
O João regressou da escola enfurecido. O seu pai, que estava de saída para o quintal, chamou-o e perguntou-lhe o que se tinha passado. O João disse-lhe que estava cheio de raiva por causa de um comportamento menos correcto da parte de um colega que gozou com ele em frente de toda a turma e que por isso deseja-lhe todo o mal do mundo.
– O Luís humilhou-me na frente dos meus amigos. Não aceito. Gostaria que ele ficasse doente sem poder ir à escola.
O pai escuta tudo calado, enquanto caminha até um compartimento onde guardava um saco cheio de carvão. Levou o saco para o fundo do quintal e o João acompanhou-o.
– Filho, faz de conta que aquela camisa branca que a tua mãe pôs a secar é o teu amigo Luís e que cada pedaço de carvão é um mau pensamento teu, endereçado a ele. Quero que tu atires todo o carvão do saco na camisa, até o último pedaço. Depois voltarei para ver como ficou.
O João achou que seria uma brincadeira divertida e pôs mãos à obra.
O pai, que observava tudo, discretamente, aproximou-se e pergunta-lhe:
– Filho, como te sentes?
– Estou cansado mas alegre, porque, apesar de a camisa estar longe, consegui acertar-lhe com vários pedaços de carvão.
– Filho, vem comigo ao meu quarto, quero mostrar-te uma coisa.
E o pai colocou o filho em frente de um grande espelho. Que susto! Só conseguia ver os dentes e os olhos.
– Filho, viste que a camisa quase não se sujou; mas, olha para ti! Desejamos o mal aos outros, mas a porcaria, a sujidade e os resíduos ficam sempre em nós mesmos. Devemos perdoar sempre e não nos sujar.


Professor Abel Dias


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